Entrevista com André Ilha

Durante os quase 12 anos de existência, a Revista Blog de Escalada teve a oportunidade de entrevistar muitas pessoas. Algumas, inclusive, bastante famosas, outras nem tanto. Fosse possível enumerar as honras, ficaria enumerando nomes e mais nomes. Não há dúvida de que A Revista Blog de Escalada foi o único veículo de comunicação brasileiro a publicar entrevistas com personalidades brasileiras e estrangeiras como Lynn Hill, Dani Andrada, Adam Ondra, Valentina Aguado, Alex Megos, entre muitos outros nomes.

Uma das mais lidas, levando em conta o número de leituras ao longo do tempo, foi com a que realizamos com o carioca André Ilha. A entrevista conta com mais de 10.000 leituras até o momento. O escalador, autor do livro Por um Triz, é das pessoas mais influentes da escalada e montanhismo brasileiro, tanto que a sua própria história pessoal é intrinsecamente ligada à do montanhismo e escalada nacional. Toda e qualquer formalização de regras e representatividade, André Ilha teve sua parcela na contribuição.

Sabendo que a sociedade como um todo vem se transformando rapidamente, inevitavelmente também aconteceria na escalada e no montanhismo. Nada mais apropriado do que perguntar a uma testemunha ocular da história do esporte no Brasil como enxerga estas mudanças.

Por ser alguém com tanto conhecimento, apenas uma entrevista seria pouco para conseguir transmitir tudo o que André Ilha poderia dizer. Nesta nova entrevista, o carioca denuncia o desrespeito à escalada móvel por escaladores esportivos e aborda outros aspectos socais do esporte.

André Ilha, frequentemente há notícias de escaladores que desrespeitam regras dos locais de escalada. Você acredita que exista alguma solução para que os locais de escalada não fechem?

A solução combina informação com educação. Informação clara e acessível quanto às regras existentes, sejam áreas públicas ou privadas, na forma de placas, cartazes, folhetos e outros meios de divulgação, inclusive internet, conforme o caso.

Educação é mais difícil, pois as pessoas têm ou não têm educação e civilidade básicas – e essas características andam cada vez mais escassas no Brasil nos dias atuais. Mas há outra forma de educar, menos interessante, porém também eficiente, que é penalizar aqueles que transgridem as regras, especialmente quando se tratar de áreas públicas como parques, por exemplo.

Qual é a sua opinião a respeito da escalada ter tornado esporte de exibição na Olimpíada?

É um grande reconhecimento para esse segmento do esporte, sem dúvida.

É, também, uma excelente oportunidade para a captação de recursos com vistas ao treinamento de nossos atletas, pois os Jogos Olímpicos conferem grande visibilidade a qualquer modalidade esportiva. Vamos ver o que acontece daqui para a frente.

As competições de escalada no Brasil definharam muito nos últimos 10 anos, tanto em participantes quanto de patrocínio. Na sua opinião, qual seria uma solução para tornarem-se populares novamente na comunidade?

Não sou a pessoa mais adequada para me manifestar sobre isso, uma vez que nunca competi e nem tenho mais condições de competir em nada, mesmo se me interessasse.

O que vi, no entanto, a distância, foram premiações irrisórias e muita desunião e brigas entre entidades organizadoras e atletas, o que obviamente não contribui para a vitalidade das competições.

No Brasil os novos praticantes parecem não se identificar com as Federações e clubes de escalada. Qual seria uma maneira de fazê-los entender a importância da representatividade?

Houve um momento histórico em que os clubes “saíram de moda”, que coincidiu com o surgimento da escalada esportiva. Isso levou parte das novas gerações a ter um certo preconceito com relação a eles, o que é uma bobagem, pois um clube nada mais é do que um espaço de convivência e difusão de ideias e conhecimentos, e de estímulo à prática do esporte. No entanto, os clubes se reergueram muito bem e, ao menos aqui no Rio de Janeiro, eles vão tão bem como nunca.

Acho uma pena esse preconceito, porque os clubes são lugares muito agradaveis de reunião física (em contraponto a um mundo cada vez mais virtualizado) entre pessoas que gostam das mesmas coisas, com palestras, apresentações de slides, filmes, festas etc., que criam vínculos muito sólidos entre as pessoas e um sentimento de participação em uma causa comum, que é a manutenção do próprio clube: sempre digo que considero os clubes de montanhismo do Rio um verdadeiro “case” bem-sucedido de trabalho voluntário!

Foto: Júlia Bochner | http://geproinearj.blogspot.com.br/2011/02/fatos-e-fotos.html

Mas além desse aspecto lúdico há um outro muito mais importante e crucial: os clubes, as federações e, por fim, a confederação, são as nossas entidades representativas perante o restante da sociedade – gestores de áreas protegidas, proprietários privados de formações rochosas interessantes, administradores das áreas de turismo, esporte e lazer e meio ambiente etc. Então, com as crescentes dificuldades para se acessar tanto áreas públicas quanto privadas para a prática de todas as modalidades de escalada em rocha natural, é absolutamente crucial o fortalecimento dessas entidades que nos representam, inclusive com a doação de trabalho voluntário, chato mas imprescindível, como por exemplo participando dos conselhos consultivos de parques naturais públicos para defender os nossos interesses.

Não apoiar essas entidades, ou, pior, criticá-las levianamente como já assisti tantas vezes por aí, seja por interesses mesquinhos ou divergências de cunho pessoal, é jogar contra todos nós. É manter o montanhismo em geral, e a escalada em particular, enfraquecidos perante esses outros atores sociais, e contabilizar perdas atrás de perdas. Em suma, é uma atitude pouco inteligente, suicida. Então, novamente informação e educação me parecem os remédios adequados para resolver, ou ao menos mitigar, esse problema.

Você recentemente lançou um livro com histórias pessoais. Já existe algum plano para um segundo livro?

No momento estou empenhado na segunda edição do Guia de Escaladas de Guaratiba, que pretendo lançar na Abertura da Temporada do Rio de 2018. São muitas vias novas, até mesmo setores inteiros novos, e há a grande novidade da “titanização” de quase todas as vias lá, o que significa proteções fixas muito sólidas e de longuíssima duração – mesmo considerando que o forte da área são as vias com proteção móvel.

Mas, depois disso, o meu principal projeto é um livro em que apresentarei as mais de 100 montanhas virgens que conquistei no interior do Brasil, especialmente em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Ceará. A ideia é um livro do tipo “coffee table”, de formato largo, capa dura, muitas fotos coloridas, em que descreverei o delicioso processo de conquista de cada uma delas, com muitas histórias pitorescas da vida no interior. Tem a pesquisa prévia das montanhas, a pesquisa em campo, o c

Foto: http://veja.abril.com.br

ontato com os donos da terra para solicitar autorização para escalar, a abertura das trilhas até a base das vias pretendidas, e tem até a escalada em si! Posso garantir que o conjunto das fotos dessas montanhas é de tirar o fôlego de qualquer um.

Algumas pessoas se consideram as “donas” de certos lugares de escalada. Qual é a sua opinião a respeito destes “xerifões”?

Ninguém é dono de área nenhuma, e a todos deve ser franqueado o livre acesso às áreas de escalada sem ter que pedir a bênção a xerife algum.

No entanto, é também de muito bom tom que os escaladores, ao se dirigirem a uma área nova para eles, procurem se informar previamente sobre a ética e os costumes locais, para não tomar atitudes que possam ferir os sentimentos dos que os precederam desnecessariamente, ou então desrespeitar a história local, como infelizmente aconteceu com muitas vias móveis no Morro da Pedreira, na Serra do Cipó, que foram indevidamente chapeletadas num processo massificante de imposição de um estilo (esportivo) sobre outro (tradicional).

Então, se há “xerifões” que agem movidos por um espírito naturalmente autoritário, e são realmente desagradaveis, há casos de pessoas que buscam sobretudo impedir uma descaracterização de certas qualidades de uma área qualquer por pessoas que ali chegam sem nenhum compromisso com a história e a ética locais, movidas apenas pelo seu prazer imediatista – e dane-se o resto. Portanto, penso que há que se diferenciar bem os dois casos, e trabalhar sempre pelo respeito às vias alheias dentro do conceito que veio a ser conhecido aqui como “direito autoral”.

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