Empreender no ramo da Escalada: Uma história real de desafios e possibilidades

Por Cinara Lino Colonetti – proprietária da Tattu Ressolas e Reparos e professora de Educação Especial (AEE)

Em meio às aulas, atendimento aos clientes, negociação de matéria-prima e correria da vida particular (mãe de dois filhos lindos, porém sapecas), vem esse desafio de colocar em palavras o que tem sido empreender na área da escalada no Brasil. Confesso que levei um bom tempo para criar coragem e ter inspiração para tal, porque são tantos desafios que não sabíamos por onde começar.

Não vim para dar o conceito de empreender e tal, não é minha formação acadêmica. Vim para falar o real do estar nesse ramo, as lutas e desafios que temos encontrado.

A vontade de ter meu próprio negócio sempre esteve comigo. Uma característica que herdei da minha família. Então o feeling ocorreu ao me deparar com a seguinte situação: eu estava cansada e um pouco desiludida com a minha profissão de professora e meu companheiro, escalador a mais de 15 anos e que já fazia as suas ressolas de sapatilhas, por conta da crise no mercado estava desempregado. Nesse momento senti que chegou a hora de arriscar e assim nasceu a Tattu Ressolas e Reparos.

Foto: Cinara Lino Colonetti

Ai foi um 180º na nossa vida, fiz uma pesquisa de mercado, criamos a identidade da marca, a logo, as redes sociais e as metas para iniciar o trabalho. Fazer as documentações burocráticas, CNPJ, registrar a marca e tudo que vem junto é a parte fácil.

Vem à parte de produção: acertar o maquinário, o processo ideal, ir descobrindo os segredos no dia a dia para a ressola ficar perfeita. Foram muitos testes. Até hoje não paramos de aperfeiçoar e buscar melhorar sempre.

A coisa começa a complicar quando o assunto são as matérias-primas. Elas são todas importadas e detalhe com uma ou duas autorizadas para venda. Isso que mantêm os preços lá em cima. Então você pode pensar; “ué porque não trazer de fora?!” Sim, aí neste detalhe, se prepare para esperar meses e meses. Além da espera, ainda será taxado várias e várias vezes. Um verdadeiro inferno e prejuízo certo!

Toda aquela ideia de ter um produto de qualidade, no preço acessível, vai se tornando um pesadelo. Como bancar isso? Criatividade e resiliência sempre! Porque quando tudo parece que deu errado, corremos para a montanha e lá meditando e escalando, os insights surgem.

Foi então veio a decisão de manter os preços com o menor lucro possível, para pagar os funcionários e todos os impostos que caem todo santo mês. Mas e quando aperta? Meu salário de professora tem que ajudar… paciência!

Porque não vou virar estatística, onde de cada dez microempresa, seis fecham as portas em seus primeiros 5 anos! Mas não vou mesmo!!!

Foto: Cinara Lino Colonetti

Assim que nasceram produtos exclusivos como as nossas luvas para fenda com borracha na área de contato, a Grip 1 e Grip 2 (essa tem proteção no polegar e uma lapela para proteger o velcro). Para os apaixonados por fendas como nós, a Grip 2 é a menina dos nossos olhos.

Foi em meio às crises que os protótipos foram surgindo e sendo aperfeiçoados. Neste ponto é que tiro o chapéu para o nosso ressolador e designer Thiago Meister (Tattu). Pense em um “bicho” perfeccionista, criativo e extremamente metódico! Chega a ser chato (desabafo da parceira… rsrs), mas qualidades necessárias para manter a qualidade dos produtos.

O que tem nos motivado muito são os feedbacks de nossos clientes. A galera que apoia os produtos brasileiros e que dá valor às pequenas empresas. Estamos percebendo um movimento de consciência regional e nacional, junto aos consumidores da área da escalada e do montanhismo.

Tivemos clientes que quiseram verificar se nossos produtos não eram “chingue-lingue”. Entretanto, quanto a isso, não vemos como ofensa. Nós vemos como uma consciência de economia regional, ambiental e social, emergindo em meio ao caos da crise que passamos, o que nos dá esperança de conseguir crescer no mercado brasileiro.

Seguindo nessa filosofia, temos como inspiração duas empresas brasileiras que tem essa preocupação, além de apoiar e incentivar a escalada pelo país: a Conquista Montanhismo com o mestre Edison Padilha e seu filho Ian Padilha, e a Sapo Agarras com o Lindomar Vargas e a Suelem Bourscheit.

Assim, estamos sempre nos reinventado e pensando lá na frente. Só posso adiantar que em 2019, teremos grandes e significativas novidades na empresa! E sabe por que não agora em 2018? Pela BUROCRACIA. Pois é, estamos em meio às papeladas, desde a parte de contabilidade quanto a adquirir matéria-prima. Tudo precisa ser aprovado e liberado, e aí vai mais um teste de paciência e de finanças, pois são taxas e mais impostos!

O machismo velado na escalada

Foto: Cinara Lino Colonetti

Mas sabe qual o outro desafio que temos encarado? Machismo!

Sim, temos nos deparado com o descrédito de muitos, por ser uma mulher a frente da empresa. Muitos sempre pedem para negociar com “O dono ou patrão”. Quando digo que é comigo percebe-se uma cara de decepção e logo a conversa muda e a “proposta” some. Mas não desanimo.

Não mesmo, pelo contrário! Quando um negócio não fecha por conta disso dou graças a Deus, pois não quero minha marca ligada a pessoas que tenham essa mentalidade.

Mesmo diante dos apertos, seguimos com a nossa meta de incentivar a escalada apoiando eventos e atletas, como: o Alex Mendes (guri monstro e super dedicado), o embaixador do climb Willian Lacerda (que está sempre na labuta de novas vias) e o projeto social Bola de Neve de Laguna/SC que inicia no climb crianças e adolescentes em situação de risco social. No momento estamos em negociação para ter em nossa equipe uma atleta feminina.

Não podemos esquecer do projeto “Toca pra Cima”, que realizo em duas escolas municipais no Atendimento Educacional Especializado (minha outra profissão), onde atendo alunos com deficiência e utilizo uma parede escalada como recurso de estimulação.

Fica aí a dica: viver do climb ou de qualquer outro esporte (tirando aquele esporte super midiático, que não vou falar o nome rsrs) NÃÃÃOOO é fácil!!!

Portanto valorize as micro e pequenas empresas, as empresas familiares de seu país. Essas pessoas vivem desse sustento e estão se doando ao máximo para vencer na vida e divulgar o esporte. Temos uma galera produzindo, criando e se reinventado. Para essa galera só posso dizer: resista e insista!

Cinara Lino Colonetti escreveu a convite da Revista Blog de Escalada para falar sobre empreendedorismo no universo outdoor. Se você também quer compartilhar experiências e publicar um artigo de opinião, entre em contato conosco que realizamos seu pedido.

A Revista Blog de Escalada é o veículo de montanhismo e escalada mais lido da América Latina.

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