Diferenças entre fato isolado e corriqueiro

Foi publicado pelo escalador Davi Maski um e-mail bem interessante de sua visão sobre o que aconteceu na Falésia Paraíso.

Obviamente não concordo com TUDO o que Davi escreveu, porém ele pondera em pontos bem polêmicos que já foram levantados aqui.

Tomei a liberdade de publicá-lo pois está muito bem escrito e embasado:

Tenho certeza que a Falésia Paraíso não foi “fechada” por causa de um único ato isolado (que foi esse incidente com o carro).

Acredito que os moradores locais aos poucos foram se “enchendo” com a presença e bagunça dos escaladores que iam lá escalar…

Isso vai se acumulando, as pessoas não respeitam as mínimas regras de civilidade, e um dia basta um incidente (como esse) para ser a “gota” que faltava para transbordar a paciência e tolerância dos donos.

Não creio que seja uma fatalidade, etc… isso vai se repetir muitas vezes ainda em outros locais.

Vou contar uma historinha: meu “quintal” de casa é a região de Andradas, no sul de Minas Gerais.

Lá tem trocentas vias de escalada e o acesso a todas se da através de uma zona rural.

Local bucólico, onde vivem pessoas simples acostumadas a seguir o ritmo do sol.

Pessoas que trabalham duro na lida do campo, de segunda a segunda, e que o passatempo muitas vezes se resume a ver a novela das 8 ou beber uma pinga de vez em quando no barzinho.

Vou listar uma série de coisas que já vi neste local e que obviamente simplesmente não combinam:

Já presenciei várias vezes escaladores em alta velocidade com seus carros… (ou tem gente que acha normal passar a 70 km/h em uma estrada de terra? Jogando pó e poeira no trabalhador que volta a pé para casa? Assustando o agricultor com seu cavalo?)

Já vi gente “puxando um” próximo aos moradores, no centro da “cidade”.

Não entendeu?

É… Já vi escalador fumando baseado na pracinha da vila… Para o espanto das senhoras que passam por ali…

Já vi meninas (que acompanhavam os escaladores farofeiros) andando de shortinho e biquíni pela pracinha, andando pela estrada…

E é fácil imaginar o que deve passar na cabeça do agricultor, da esposa dele, ao ver ao vivo e a cores pessoas vestidas de um jeito que não é normal para eles, que eles apenas veem através da TV…

Já vi bando de pseudo-escaladores chegarem (uns 20 ao mesmo tempo, pelo menos), inclusive com animais domésticos, na base das vias no campo escola (na Pedra do Pantano)…com gritaria, gritinhos de uhu, etc…(no dia que isso aconteceu até perdi o pique de escalar, peguei minhas coisas e fui embora…)

Já vi carro de escalador estacionado na frente da garagem de morador local… (é… Quando o dono do terreno chegar com o carro dele, ele entra como?! )

Já vi carro de escalador com a tampa do porta-malas aberta e o som no último volume, tocando um putz-putz infernal…

E por ai vai… Estou citando exemplos de péssimos comportamentos que acontecem em um local específico.

Claro que isso não é a regra, pelo contrário, costuma ser algo esporádico (neste local) e de forma geral, nós, a comunidade escaladora, é bem recebida na região.

Entretanto é justamente esse tipo de comportamento, de alguns, que mina todo o trabalho e esforço da comunidade.

Se toda essa bagunça, essa farofa, acontecesse no quintal da sua casa, o que você faria?

Algumas semanas atrás o André Ilha deu uma entrevista na qual entre outras coisas ele falava sobre o fechamento da Lapinha (que está para ser reaberta).

Não há como negar que existem pessoas que simplesmente reproduzem o seu comportamento urbano e deseducado onde quer que vão.

São pessoas que largam o lixo na base das vias (achando que alguém deve passar por ali e limpar), não se importam em levar o cachorro para “escalar”, acham a coisa mais normal do mundo “puxar um” na frente de pessoas que nem sabem que troço é aquele…

São incapazes de falar um “por favor” e “obrigado”.

Já pararam pra pensar que os problemas de acesso acontecem sempre em picos de boulder ou de escalada esportiva?

Lapinha, Guaraiuva, Setores de boulder na região da Pedra do Báu, Valle Encantado…

(…)

Tenho certeza que deve ter gente pensando: “Fechou, tá, e aí? Fechou a Falésia Paraíso mas tem várias outros locais para escalar por ai!!!”.

Somos realmente estúpidos.

Tão estúpidos que sei que vai ter gente que vai ler o que estou escrevendo e vai achar que estou criticando o escalador de vias esportivas (ou de boulder).

Não!!!

Estou criticando o *nosso* comportamento.

A nossa falta de educação.

Somos ou não somos uma comunidade?

É… talvez não sejamos…

Não estou querendo ser moralista, nem apontar culpados.

Apenas fico super chateado em saber que mais um local de escalada foi fechado.

E saber que a culpa é nossa.

Que a culpa é minha.

E é culpa sua também.

Estou me lembrando do Cuscuzeiro, no Interior de SP, quando a uns 20 anos atrás as pessoas paravam o carro dentro da estrada de acesso à sede de uma fazenda…

O dono “não se importava”, apenas não queria que os carros atrapalhassem a passagem do trator e que a porteira ficasse sempre fechada…

Claro que sempre tem alguém que se acha mais esperto do que os outros… e não demorou muito tempo tempo (e muitas porteiras deixadas abertas o dono proibiu o estacionamento dos carros na estrada dele…

Colocou um cadeado na porteira…

E é claro, algum energúmeno arrombou o cadeado da porteira para estacionar o carro… o resto da história é fácil de imaginar…

Não, o cuscuzeiro não está fechado…

O acesso não se da mais por essa fazenda (e sim por outra fazenda ao lado)… apenas estou falando de coisas que aconteceram a muitos anos atrás…

A história desse lugar em especial poderia ter sido muito diferente…

Já houveram energúmenos que acharam legal fazer uma fogueira (e botaram fogo no cuscuzeiro), já houveram vacas que morreram por causa de lixo deixado por escalador…

Nossa falta de educação e falta de comportamento civilizado certamente não é de hoje…

Somos um bando de macacos desorganizados incapazes de ter o mínimo de respeito pela casa dos outros.

Não tenha dúvida que é algo assim que deve passar pela cabeça dos moradores lá da Falésia Paraíso… (e de tantos outros lugares também…).

Abraços e boas escaladas,

Davi Augusto Marski Filho

Para saber mais sobre Davi Marski: http://www.marski.org/

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