Crítica do filme Young Guns

O grande segredo do crescimento de qualquer esporte é promover constantemente uma renovação da comunidade de atletas que o pratica. Alguns países possuem este tipo de renovação como uma cultura local e, por isso, sempre figura entre os principais centros de escalada do mundo. Por mais que existam atletas de alto nível trazendo resultados, é necessário que a formação de novos talentos também seja realizada.

Para ilustrar bem a atual crise que assola os campeonatos de escalada o Brasil nos últimos tempos é consequência do completo descaso (com exceções pontuais, claro) com a formação de novos atletas. Enquanto em terra brasileiras pessoas perto dos 30 anos são consideradas “heróis”, em outros países, em uma análise mais realista e próximo do que seria o ideal, a idade é abaixo dos 16.

Nos EUA, há cerca de 10 anos, existia o mesmo “problema”: nomes consagrados excessivamente expostos na mídia e ausência de interesse no desenvolvimento e renovação do esporte eram os principais motivos. A partir do momento que academias de escalada se popularizaram e multiplicaram pelo país, apesar do grito histérico dos puristas tradicionais do montanhismo, começaram a aparecer novos nomes com resultados surpreendentes. Dois destes nomes são, sem sombra de dúvida, Ashima Shiraishi de apenas 15 anos e Kai Lightner de 16. Hoje são tidos como grandes promessas da escalada e, apesar de muito jovens, já mostram resultados surpreendentes. Não é nenhum exagero afirmar que os dois cristalizam a imagem de renovação da escalada americana.

O filme “Youg Guns”, da produtora Sender Films, joga um holofote no perfil da dupla documentando seu passado recente na escalada, planos para o futuro e abre discretamente aspectos de sua vida particular. Por serem muito novos, também é abordado o aspecto da influência e gerenciamento que os pais exercem na carreira de cada um dos personagens. A produção segue o formato padrão adotado pela produtora desde seu grande sucesso “Alone in the Wall”, focando primeiro nos dias atuais, sempre com narrações do personagem ao fundo, para depois disso aprofundar nos bastidores da vida de cada um.

Por buscar mostrar muito de dois personagens, Lightner e Shiraishi, em algumas partes o roteiro acaba se perdendo pois necessariamente tem de focar em um dos personagens deixando o outro de lado. Este tipo de escolha acaba por afetar levemente o ritmo do filme, que parece oscilar pela necessidade de imprimir velocidade à produção no momento que o ideal seria um ritmo mais lento. Por ser filho de mãe solteira, a qual explicitamente disse ter lutado contra a pobreza da família, renderia um aprofundamento maior no perfil de Kai, mas o diretor procurou apenas ficar na superficialidade.

O personagem por ser afrodescendente, e dos poucos escaladores pertencentes à elite mundial com esta característica, merecia um aprofundamento maior deste aspecto. Mesmo assim, próximo ao final mostra que apesar de seus 16 anos de idade, já auxilia na difusão do esporte e na renovação da escalada em seu ginásio.

Já Ashima Shiraishi é focada com maior profundidade, mostrando aquela que atualmente é detentora de feitos expressivos dentro do esporte. As particularidades de sua vida são abordadas com mais profundidades das que foram mostradas para Kai Lightner.

Seus pais, que são costureiros e fazem toda a roupa da escaladora e são imigrantes, mostram uma dedicação quase religiosa com a filha o que, sob o ponto de vista emocional, impacta positivamente a imagem de Ashima. Toda esta emoção fica, ainda que em um grau pequeno, fica prejudicada por inserção de imagens publicitárias da escaladora em câmera lenta e poses em precipícios.

Inegavelmente a origem simples dos dois ilustra também uma “descoxinização” do esporte. No filme não há ninguém escalando, ou iniciando, em locais como Paris mas sim na academia e locais de escalada próximo de casa por meio de algum projeto social. É evidenciado também como estes escaladores, que escalam graus fortes, também não são habituados à vida outdoor ou Vanlife. Importante ver esta diferença como um espelho de uma nova geração e não propriamente um rompimento com os clichês cultuados pela geração atual.

“Youg Guns” é um documento importante de renovação e, embora não seja um filme espetacular, faz com que a comunidade de escalada reflita sobre a necessidade de renovação de atletas. O grande mérito da produção é colocar na cabeça de cada um a importância da renovação e quais os frutos colhidos quando efetuada. Um filme de escalada que faz muitos pensarem é coisa rara dentre as produções de escalada, e este realiza exatamente isso.

Nota Revista Blog de Escalada:

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