Uma das características do ser humano é sempre achar que pode fazer mais logo após superar o último desafio.
Estar sempre superando limites, seja os próprios ou até mesmo um recorde mundial, é o cotidiano de praticantes de escalada e montanhismo.
Para sempre conseguir dar este passo à frente dos limites é necessário motivação, determinação, concentração e obstinação.
Não somente escaladores enfrentam este tipo de rotina de desafios, produtores de filmes outdoor também o sofre, especialmente quando tem pela frente o desafio de realizar continuações de produções que fizeram sucesso com público e crítica.
Por isso fazer uma continuação de “Wide Boyz” pareceia algo difícil de encarar.
Desafio este, de realizar continuações, que já enterraram muitas boas idéias como “Honnold 3.0” e “Dejame Vivir“, que deixaram o público ligeiramente decepcionado.
Não se intimidando com o tamanho do desafio os produtores da Hot Aches resolveram fazer mais: Além da continuação do consagrado Wide Boyz, resolveram fazer referência a um dos melhores filmes de escalada de todos os tempos: “First Ascent”.
First Ascent é um filme realizado em 2006 que documenta a busca de Didier Berthod pela cadena (formalmente chamada de First Ascent, ou primeira ascenção) da fenda “Cobra Crack” inaugurando uma nova maneira de realizar filmes de escalada à época.
“Wide Boyz II – Slender Gentleman” inicia logo após às cenas catárticas do primeiro filme, destacando como ficaram os protagonistas após o desafio, e como se recuperaram dele.
Todas as cenas que seguem documentando como foi a sua recuperação aproveita cenas gravadas e descartadas da primeira produção, mas que não se estendem além do necessário, o que já é um mérito a se creditar para os produtores.
Após mostrar como ficou a vida da dupla, é introduzido o novo desafio: A escalada da fenda “Cobra Crack”, localizada no Canada e documentada no filme “First Ascent” com vários tipos de movimentação distintos e que exige entalamentos desde dedos naquela que ficou conhecida como a cena mais icônica do filme até movimentos plásticos de pernas.
Neste ponto estão apresentados elementos até então inéditos em produção outdoor: a continuação de não somente um, mas dois filmes.
Procurando mostrar o lado mais disciplinado da dupla seus treinamentos não ortodoxos são mostrados e seguramente levanta espanto da plateia pela intensidade de cada um deles.
Já em Squamish, no Canada a dupla conhece a fenda, além de aproveitar para inserir imagens cômicas da dupla, com um humor mais fino e na dosagem certa.
Para apresentar a dificuldade enfrentada nada melhor que Sonnie Trotter, o Canadense que realizou a primeira ascenção, reservando uma boa e grata surpresa ao público.
A descrição das dificuldades são alternadas entre Trotter e os protagonistas, conseguindo apresentar toda a via de forma dinâmica e simples até mesmo a quem não é escalador.
Tudo mostrado com cortes rápidos e secos todas as tentativas e falhas da dupla, sem utilizar demasiadamente recursos como trilha sonora e câmera lenta.
Recurso este que consegue minimizar demoradas tomadas de um escalador em uma via inteira.
Com roteiro brilhantemente escrito e executado pelos produtores da Hot Aches o filme “Wide Boyz II – Slender Gentleman” consegue o que poucos já fizeram: uma continuação tão boa, ou até melhor, que a original.
São muitos detalhes a se destacar, entretanto o principal é o total abandono do modo “circo” utilizado por muitas produtoras, que abusam de efeitos gráficos especiais, trilhas sonoras barulhentas, humor sem graça e excesso de cenas de beleza fotográfica grande mas com pouco a ver com a história.
Destaca-se também a maneira correta e discreta de fazer humor sem querer parecer engraçado e hilário todo o tempo.
Optando pela simplicidade de imagens, diálogo e uso de recursos, a produção é uma verdadeira aula de vários aspectos em filmes outdoor, em especial sobre escalada.
Há de se elogiar que em um filme, sobre uma escalada em uma única via, e ainda por cima escalada por dois escaladores, não há em nenhum momento cenas longas e repetitivas, conseguindo transmitir a exata sensação de estar junto dos protagonistas.
O filme não se destaca por possuir fotografica exuberante, nem qualidade de imagem que salta aos olhos, mas sim pela qualidade da história contada, o que leva ao espectador se identificar com as histórias relatadas.
Um bom exemplo de “Menos é mais” que na produção é perceptível a adoção desta importante filosofia.
“Wide Boyz II – Slender Gentleman” é sem dúvida um filme que irá servir de inspiração para quem deseja realizar algo de qualidade.
Nota Revista Blog de Escalada:
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.