Crítica do Filme “O Regresso”

renevant-8Reparando na história do montanhismo mundial é fácil concluir, ou intuir, que os exploradores que vieram colonizar o novo continente eram, ao menos em sua maioria, pessoas com algum conhecimento em montanhismo e sobrevivência.

Não há uma literatura extensa sobre o assunto, mas é sabido que os bandeirantes, que ajudaram a expandir as fronteiras de Portugal pelo interior do Brasil, eram montanhistas por excelência, além também serem assassinos de índios.

Esta necessidade de ter conhecimentos de montanhismo, e sobrevivência, possui um objetivo simples: encontrar recursos naturais (madeira, animais e etc), capturá-los da maneira que desse, e onde estivesse, para posteriormente vendê-los para ser recompensado financeiramente.

Não esquecer que muitas destas pessoas vinham para a América sem saber o que enfrentariam, e maioria acreditando em grande quantidade de lendas e mitos.

Por isso quanto mais preparada a pessoa para buscar trilhas, realizar primeiro socorros, encontrar raízes comestíveis e outros elementos de sobrevivência, mais preparada estaria para executar este tipo de trabalho.

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Inspirado em um livro de Michael Punke que conta, usando contornos romanceados, a saga do oficial Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) que durante uma missão corriqueira de seu trabalho (que era matar bisões e vender a sua pele) é atacado por um urso cinzento que instintivamente protegia seu filhote.

Milagrosamente Glass acaba sobrevivendo a este ataque, embora estivesse imensamente machucado, e por ser de uma patente militar elevada tem de ser carregado até o assentamento de caçadores.

Como o acontecido se passa em um ambiente totalmente selvagem, com relevo e clima inteiramente desfavoráveis, algumas pessoas são designadas para levá-lo para o assentamento, dentre elas John Fitzgerald (Tom Hardy).

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Vendo a dificuldade aumentando a cada passo, e já preocupado em ter de enfrentar neve, e tenso pela possibilidade de haver um ataque de índios, decide deixá-lo para morrer.

Parte do grupo que levava Glass ao assentamento estava seu filho que, obviamente, discordou da ideia de deixá-lo morrer e após uma discussão e luta corporal com Fitzgerald acaba assassinado.

Toda a luta corporal, assim como a morte de seu filho, é testemunhada por um quase moribundo Hugh Glass.

Logo após ser abandonado, e quase enterrado vivo à força por Fitzgerald, com o corpo dilacerado e muito debilitado Glass junta forças para regressar para o assentamento e vingar-se de quem o abandonou.

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A partir daí o filme mostra, praticamente sem cenas com diálogos, várias técnicas de sobrevivência e montanhismo, utilizadas à época, realizadas por Hugh Glass que de maneira determinada segue indo atrás do assentamento para um ajuste de contas com John Fitzgerald.

Com uma direção de fotografia impecável, além de espetacular, toda a natureza é mostrada como desafiante e opressora ao expectador, com o protagonista ao longo do filme se alimentando de sua energia para ir restabelecendo forças e afastando a possibilidade de morte.

Os planos abertos, e o silêncio quase ensurdecedor, passa a exata dimensão da pequenez do ser humano diante de lugares isolados e natureza exuberante.

Como não era somente pegar um táxi, ou veículo abandonado, há a natural lentidão no tempo que Glass leva para chegar ao acampamento o que gera angústia no público pela demora.

Para o público que está acostumado a roteiro preguiçosos sente-se desagradado por esta parte mais real, e menos apelativa.

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Algumas cenas de sobrevivência, como a maneira que usa seu cavalo para aquecer, são dignas de ser aplaudidas de pé. “O Regresso” também ilustra da maneira mais crua possível como era a precariedade do próprio assentamento em termos de higiene e isolamento.

Esta crueza pedida pelo diretor Iñárritu exigiu de todos os atores um esforço físico ao qual muitos nunca tinham realizado, e que refletiu em muitas expressões sofridas dos personagens.

Em nenhum ponto do filme há malabarismos do protagonista, como acontece frequentemente em programas televisivos de sobrevivência como o de Bear Grylls, muito menos soluções preguiçosas diante de qualquer problema.

Mas há, entretanto, uma passagem mística na qual Glass recupera parte de sua saúde milagrosamente, mas é evidente que foi uma liberdade artística e que apenas alimentou a auto-estima do personagem.

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Devido à procura de mostrar certo realismo, aliado à boa direção, não é exagero dizer que o expectador possa até mesmo sentir um pouco de frio durante o filme, dada a desolação diante das cenas e do cenário.

John Fitzgerald, em uma atuação assombrosa de Tom Hardy, parece grunhir em todos os diálogos fazendo assim uma metáfora do quão selvagem a pessoa vai se tornando afastando-se da sua humanidade.

A escolha de não utilizar cenários falsos, e sim filmar o máximo possível em ambientes abertos, facilitou bastante as interpretações de desconforto de cada personagem.

Apesar de um final que, ao mesmo tempo é obvio e decepcionante, o filme “O Regresso” é uma excelente obra de sobrevivência, sem muitas liberdades poéticas por parte dos artistas, valorizando tanto o conhecimento de técnicas de sobrevivência como também a tenacidade do ser humano.

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Como grande parte do filme é baseada na interpretação, e carisma, de Leonardo DiCaprio, com seu personagem solitário lutando por sua própria sobrevivência, inevitavelmente a comparação com “Náufrago” é feita.

Mas diferentemente do filme protagonizado por Tom Hanks, “O Regresso” é centrado mais na tenacidade de busca por vingança, e não apenas na simples necessidade de sobrevivência.

O próprio desejo visceral de vingança é questionado ao seu final, mas não é explorado em tanta profundidade como todo o processo de sobrevivência de Hugh Glass, residindo aí um dos pontos fracos do filme.

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Mas pelo conjunto da obra, descontando uma ou outra derrapada, inevitavelmente o filme “O regresso” renderá várias premiações aos atores, especialmente à Leonardo DiCaprio, e talvez ao diretor também, mas à parte disso é impossível não afirmar que a produção deverá ser analisada por muito tempo por escolas de montanhismo e cursos de sobrevivência.

Aos montanhistas restam apenas sorrir e enebriar-se por uma produção, finalmente, tratar o esporte e os temas de sobrevivência de maneira sóbria e sem exageros extremos. Obrigado Iñárritu.

Nota Revista Blog de Escalada: 

O filme “O Regresso” foi assistido em projeção especial para a imprensa para análise e crítica

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