Apontada como a grande dificuldade de filmar “reality show”, os imprevistos podem fazer todo um planejamento escorrer por entre os dedos.
Parte de realizar filmes outdoor é um pouco nesta filosofia, viver na expectativa do improviso, a qual flerta com o inesperado todo o tempo.
A partir de qualquer acontecimento imprevisto há a natural improvisação exigindo a habilidade de diretor, elenco e editor de tornar tudo aquilo captado em uma boa história a contar para o público.
Foi exatamente esta situação que enfrentou do diretor Sébastien Montaz-Rosset de “Langtang”, quando durante as filmagens realizadas com Kilian Jornet no Nepal ocorreu um terremoto que devastou o país em uma tragédia sem precedentes.
O país ficou tão destruído que a temporada de montanhismo foi cancelada em todo o país pelo governo.
Ao contrário de grande parte de “montanhistas” que fugiram assustados pensando somente em si mesmos, Jornet decidiu ficar país e documentar, da maneira possível, e mensurar de maneira visual o impacto do abalo sísmico ao Nepal.
A partir desde desejo, que mistura perplexidade além de boa dose de desejo de fazer jornalismo, nasceu o mais recente filme do “Summits of My Life”, projeto pessoal do corredor catalão, que consiste em ir a todos os picos que fazem parte do “Seven Summits” correndo.
O diretor Sébastien Montaz-Rosset impactou toda a comunidade com o belíssimo “A Fine Line“, mas tinha derrapado no morno “Dejame Vivir”, e agora decepciona no recente “Langtang”.
A nova produção, disponível em streaming desde janeiro deste ano, é na verdade um amontoado de imagens de uma câmera mostrando Jornet visitando lugares devastados.
Aos primeiros 10 minutos de produção é realmente impactante as imagens, e a empatia com a população local é inevitável, mas com o passar do tempo torna-se repetitiva e sem lugar para ir.
Inegavelmente há o esforço de realizar algo menos ufanista, com um objetivo nobre como pano de fundo, que é mostrar sem os filtros sensacionalistas que as redes de TV fizeram em busca de audiência.
Colocando à luz da razão todos os minutos de “Langtang” valem muito mais que qualquer reportagem supra-pasteurizada que a brasileira Rede Globo transmitiu ao Brasil, com direito a constrangedores gritos histéricos da jornalista, e isso não tem como negar.
Ali, naquela cobertura “jornalistica”, ficou a evidente espetaculização da tragédia feita por profissionais narcisistas que apenas adoram o som da própria voz e apenas preocupados com a própria imagem.
Como Kilian Jornet não era jornalista, e tem uma identificação com a montanha, e a população que vive nela, sua decisão foi mais que coerente, e assim a ideia de filmar “Langtang” nasceu.
Mas devido à completa ausência de roteiro, nem maiores informações aprofundadas ao expectador, a produção torna-se massante e desinteressante a partir de sua metade.
Muitas das imagens exibidas tornam-se repetitivas, e algumas até sem sentido de mostrar pois não agregam muito à história que o diretor tenta construir.
Como documento histórico de uma tragédia é bastante interessante, apesar de estar bastante bruto e carece de uma lapidação, mas como documentário merece apenas uma menção honrosa pela intensão.
“Langtang” pode funcionar também como um alerta aos produtores do projeto “Summits of My Life”, que desde a estréia vêm em uma curva descendente de qualidade que pode, e irá, impactar no interesse do público por ele.
Por mais que Kilian Jornet seja o “Mr Nice guy” do universo outdoor, somente seu carisma de bom moço não sustenta uma produção de mais de uma hora.
Nota Revista Blog de Escalada:
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.