Durante o filme “Encordades” uma personagem comenta uma passagem da lendaria escaladora Lynn Hill pela região da Catalunha, que historicamente é um lugar com forte pensamento machista, que escutou a seguinte afirmação: “esta via é a que separa os homens das mulheres”.
Como era de se esperar Hill enfrentou o desafio de escalar a via e, para surpresa da comunidade à época, encadenou com a já conhecida facilidade e elegância pela qual sempre ficou conhecida. Este exemplo serve para ilustrar bem o que o filme “Encordades” traz em sua premissa: um filme sobre mulheres que escalam e deixaram qualquer tipo de preconceito para trás.
Assistindo ao filme fica claro também o abismo existente entre a militância hipócrita de “ativistas” de facebook que se dizem feministas e as mulheres que resolveram enfrentar a sociedade a qual viviam na época.
Sem se preocupar em mostrar cada personagem somente pela beleza, e sim pela tenacidade de personalidade e vontade de fazer aquilo que deseja, a produção catalã não somente homenageia as mulheres de maneira inteligente, como também evidencia que para enfrentar o machismo basta ter, entre outras coisas, vontade e uma despreocupação com o que possam vir a falar depois.
Reunindo várias gerações de escaladoras e montanhistas, cada uma adepta a um estilo distinto de montanhismo, o filme “Encordades”, dirigido por Gerard Montero é, ao mesmo tempo, um documentário a respeito da conquista das mulheres dentro do montanhismo, assim como também é uma homenagem a cada uma das personagens ali retratadas.
Não há em nenhum momento do filme apelações com adjetivos para enaltecer a superação de cada personagem. Montero procurou não focar exclusivamente em contar sobre a biografia de cada personagem, e sim saber o que cada uma pensa da escalada, da oportunidade de estar na montanha e em traçar um retrato da mentalidade da comunidade de montanhistas em geral.
Sem adotar um discurso panfletário, mesmo com declarações de cada uma das personagens sobre a eterna disputa entre homens e mulheres, “Encordades” pode ser encarada também como uma obra feminista sem, necessariamente, ser passional e extremistas como as atuais “feminazis”.
A abordagem poética de Montero sobre cada personagem como, por exemplo Carme Romeu, uma das melhores montanhistas da história, mas sem se exceder em elogios e feitos históricos.
A produção, entretanto, tem alguns pontos que podem desagradar o público leigo no assunto, como não apresentar propriamente (com nome e curriculum) algumas escaladoras, nem posicionar o personagem dentro de sua importância histórica. Por saltar de uma personagem a outra muito frequentemente o filme deixa o expectador perdido até a sua metade, e a construção metal de uma linha do tempo que localize historicamente cada uma das escaladoras fica prejudicada.
Ainda assim ao seu término, a homenagem às mulheres escaladoras, personagens históricas e, por que não, à cultura de pensamento de igualdade de sexos dentro dos esportes é realizada com eficiência.
“Encordades” possui uma maturidade que com certeza desagradará pessoas com pensamento binário, mas que trará bom entretenimento a quem realmente aprecia um bom filme e pensamentos pluralistas, e fica evidente que feministas de verdade são as mulheres que escolhem ser protagonistas de suas próprias vidas.
Nota Revista Blog de Escalada:
O filme “Encordades” está disponível para visualização sob demanda no site do Vimeo.
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.