Crítica do filme “Cowspiracy”

Cowspircy-cartazUm dos grandes males que assola o excesso de disponibilidade de informação no mundo, é a quantidade de “especialistas” formados na “Faculdade de Loucos”. Estes “especialistas” sempre utilizam grande quantidade de números e estatísticas, coletados aleatoriamente e sem critério, para provar as teorias mais estapafúrdias.

Na cabeça destas pessoas, tudo pode ser provado com estatística realizando gráficos de barras e, assim, qualquer teoria seria provada. Cotidianamente presenciamos jornalistas despejarem enorme quantidade de números absolutos e estudos fictícios, colhidos a esmo em pesquisas feitas pela internet, em seus leitores.

Sem nenhum tratamento de dados numéricos, estes jornalistas, muitas vezes à procura de atenção e destaque na profissão, procuram provar aquilo que não existe. Assim, uma legião de pessoas que sofrem de síndrome de Dunning-Kruger acabam acreditando porque estes dados “fazem sentido” (apesar de estarem errados).

Esta prática corriqueira vem do desejo de obter o mesmo sucesso do livro Freaknomics, que utilizou extenso cruzamento de dados estatísticos (mas com tratamento e apuração), para chegar a conclusões as quais não são, aparentemente, ligadas diretamente umas às outras. No livro, repito, foram feitas análises estatísticas profundas utilizando ciência e matemática.

O sucesso do livro citado, no qual os autores justificam de onde tiraram os dados e como fizeram as comparações, encorajou quem acreditava que poderia fazer o mesmo, mas sem o devido estudo. O filme Cowspiracy tenta realizar este estilo de cruzamento de dados do livro, para chegar a um resultado que, em teoria, é consequência desta comparação numérica.

Fosse necessário realizar uma sinopse do documentário Cowspiracy, o sentimento que resume por inteiro a sensação assisti-lo é, sem dúvida, o constrangimento.

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Logo no seu início, o filme mostra-se muito bem-intencionado, e busca um tipo de alimentação sustentável comparando a produção de alimentos uma com as outras. Porém, a maneira com a qual diretores Kip Andersen e Keegan Kuhn comparam dados de criação de gado, cultivo orgânico e alimentação vegana chega a ser constrangedor.

O filme se inspira, e muito, em produções do gênero como Food Inc. e Foodmatters, que se destacaram por denunciar os métodos utilizados pela indústria de alimento em geral. Mas passa longe (muito longe mesmo) de ter a mesma qualidade e preocupação com os dados estatísticos analisados.

As contas realizadas em Cowspiracy parecem ter sido feitas com uma “calculadora de açougueiro” e com dados coletados a esmo. Não é assim que análise estatística e até mesmo um estudante de estatística do primeiro ano explicaria isso aos produtores.cownspiracy-5

O documentário, inicialmente, coloca sob uma lupa grandes ONG´s de ecologia, como a Greenpeace, a qual parecem viver muito mais de aparências do que realmente querer realizar feitos ecológicos. A abordagem é interessante, pois há poucas evidências de alguma produção que fez este tipo de investigação.

Durante todo o filme o Greenpeace se recusava a dar explicações. A atitude estabelece uma tensão não resolvida até o seu final. Tão mal resolvida, que é esquecida logo de início, deixando forte sensação de que o roteiro foi reescrito (várias vezes) ao longo da captação de imagens e declarações.

Ficasse somente na tentativa de mostrar a outra face da moeda, que congrega estas empresas do terceiro setor, Cowspiracy seria bastante interessante e teria algum fundamento. Isso porque a primeira parte da produção, o roteiro deixa a entender o Greenpeace seria o assunto.

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Porém, a partir da sua metade, Cowspiracy da uma guinada no rumo que inicialmente tomou para tornar-se panfletário, superficial e sem conexão com seu início. Isso porque começa a comparar dados de criação de gado e saneamento das cidades como um adolescente que recém descobriu a matemática.

Em certos momentos lembra um quadro do canal de YouTube Porta dos Fundos, tamanha a bizarrice e absurdo de suas conclusões matemáticas.

Com comparações pueris, às vezes risíveis em certos momentos, o diretor simplesmente ignora fatos como, por exemplo, fezes de qualquer gado são comercializadas como esterco (usado como adubo ou produção de gás natural) e não despejadas no oceano como os esgotos das cidades grandes.

Além disso, se o esterco não fosse mais utilizado, caberia ao diretores explicarem porque esta técnica milenar não está sendo feita, mas não simplesmente ignorá-la. Nem mesmo o tipo de cultivo (confinado ou extensivo) de gados é feito uma análise.

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Mostrando que não tem nenhuma intimidade com números, nem com fazendas, Cowspiracy continua a comparar métodos de cultivo de gado e comida vegana que chega a ser um desserviço para quem estivesse assistindo.

Por diversos momentos suas comparações de estatísticas parecem novamente ter saído de outros quadros do canal do YouTube Porta dos Fundos, tamanho desprendimento da realidade. Seu gráfico referente ao consumo de recursos pela comida vegana é um insulto à inteligência do espectador (tanto vegano, quanto o não vegano), porque ignora solenemente a quantidade de terras para o cultivo de soja entre outros dados.

A título de informação, a soja é um dos produtos mais consumidos por veganos para a obtenção de proteína em sua alimentação. Porém, o plantio de soja também é o culpado de grandes porções de terras desmatadas (principalmente no Brasil). Fizesse este tipo de comparação, ao menos teríamos base para reflexão a respeito da dieta.

Persistindo nas “pedaladas estatísticas”, Cowspiracy chega ao seu final com a conclusão panfletária de que ser vegano é ser sustentável. Conclusão que sequer usa a estatística para embasar. Neste momento os diretores parecem esquecer por completo as estatísticas, para sequer embasar fortemente sua escolha.

Se a alimentação vegana é sustentável ou não, não cabe aqui discutir. Mas pelo malabarismo matemático utilizado pelo diretor dificilmente é crível, pois a comparação é muito mais um ’embromation’ do que análise de dados.

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Cowspiracy tem a seu favor uma edição dinâmica, boa captação de imagens e declarações, mas quando é mostrado gráficos comparando números obtidos a esmo, e de fontes distintas, é visível a completa inabilidade dos diretores com matemática. Até mesmo a escala dos dados em um mesmo gráfico está grosseiramente fora de proporção.

São gráficos para corroborar uma teoria estapafúrdia que explicitamente quer convencer o espectador, mas não tem sequer o desejo de informar. A intenção é claramente manipular.

Muito provavelmente, para o público habituado a fazer operações aritméticas simples, assim como conteúdo básico de biologia, já consegue identificar facilmente todas as crateras existentes na teoria sobre sustentabilidade apresentada pelos diretores.

Que fique claro que existe, sim, possibilidade de sustentabilidade em comida vegana e que realmente a pecuária extensiva é prejudicial ao meio ambiente. Mas não é utilizando as teorias malucas mostradas no filme que informará as pessoas. Cowspiracy

Fossem Kip Andersen e Keegan Kuhn mais determinados a descobrir sobre os perfis e interesses de ONG ecológicas, além da real veracidade das teorias catastróficas de ecologistas, o filme teria alguma relevância.

Porém por querer provar uma teoria utilizando comparações de dados estapafúrdias o que conseguem é desagradar veganos, ao não tocar nos valores éticos de respeitar a vida animal. Além disso, afugenta o público em geral sobre o tema de sustentabilidade, com argumentos pueris, ridículos e sem fundamento.

Na vida real, dados não precisam “fazer sentido” (que é o argumento de pessoas que acreditam em teorias da conspiração baseadas em grupos de WhatsApp). O que dados precisam é serem consistentes para serem corretamente analisados e comparados.

O diretor de Cowspiracy ignora, como toda pessoa que sofre de síndrome de Dunning-Kruger, que a força maior de qualquer análise estatística vem do fato de se valer de dados e fatos, e não de adjetivos ou argumentos emocionais para convencer ou “fazer sentido”.

Abusando constantemente de comparar maçãs com bananas (ou usando de ‘falsa simetria‘ como os inteligentinhos gostam de bradar para exibir sua suposta superioridade intelectual como o diretor de Cownspiracy), sem ao menos refletir se existia sentido, ou lógica. Se cada comparação feita nas “análises” em Cowspiracy é constrangedora até mesmo para uma criança, o que se dirá sobre uma pessoa adulta.

Nota Revista Blog de Escalada:

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There are 15 comments

  1. Cláudio Marzo

    Olá, sou vegano e talvez por isto tenha tido, durante a leitura do texto, um sentimento de que o autor da crítica tentasse apenas justificar um hábito seu, o hábito de comer carne, mas não conheço o autor e talvez ele mesmo seja vegano e tenha se sentido incomodado com a divulgação de informações equivocadas ou mesmo do modo como algumas informações foram expostas ao público. Falo isto porque mesmo sendo vegano também me senti incomodado com algumas afirmações feitas por Gary Yourofsky na sua mais famosa palestra , onde apesar do objetivo geral da palestra ser legítimo, algumas informações biológicas estão equivocadas, já houve várias críticas a respeito e quando elas são bem postas fazem sentido. O que quero dizer com isto, é que o veganismo é um movimento legítimo, seus protagonistas são os animais, mas quem luta por seus direitos são humanos, que obviamente são animais também, e inclusive, conhecem bem de perto algumas das situações que os animais passam, no entanto os humanos são os únicos animais capazes de se unir em torno de uma causa, teorizar sobre os problemas e justificar suas ações em função desta causa, desta forma cabe a nós, a luta pelos direitos de todos animais. Enfim, apesar do veganismo ter como base fundamental o conceito de senciência, a ética e a empatia, outras questões, como a ecologia fazem parte da agenda vegana, como aspectos secundarios, mas não menos importante. A minha avaliação sobre esta crítica é, se o autor critica o malabarismo de números apresentados de modo enviesado no filme, por sua vez, ele deveria apresentar dados contrários aos apresentados, disponibilizando suas fontes, como o próprio filme faz. Outra questão que o autor da crítica parece desconhecer, e isto explicaria muito seu posicionamento em relação a Cowspiracy de modo geral, é que em torno de 80% da produção de soja e milho é destinado a produção de ração para animais de abate, os dados são fáceis de encontrar e provem dos próprios produtores . Desta forma o autor parece ser convenientemente ignorante ou estar de má fé.

  2. Cibele

    Nunca vi esse documentário ainda, mas só para correção, a soja NÃO É um dos produtos mais consumidos por veganos para a obtenção de proteína em sua alimentação. E mesmo que fosse, a quantidade consumida é tão pequena que nem se compara a parte destinada a alimentação de animais de abate.
    Talvez até seja no início quando a pessoa se torna vegana. Pois logo ela descobre as demais possibilidades como fonte de proteína (legumes, verduras, oleaginosas, grãos e leguminosas…), como pode ver, a fonte de proteínas é muito extensa, indo além da carne e da soja. Muitos, inclusive, nem gostam de soja, pois é um tanto indigesta e nada saborosa (para ficar comestível, tem que super caprichar nos temperos).
    O que existe é um estigma de que vegetarianos/veganos só se alimentam de soja e alface.

  3. Bruno

    Então, caro colega, ao fazer uma crítica de uma área alheia à sua formação procure melhorar sua fonte de informação. O filme apresenta informações coerentes e atuais a respeito de ecologia e da interfência humana em ecossistemas, sobretudo através da pecuária.

    Para sua atualização veja o relatório da FAO – Tackling Climate Change Through Livestock,

    Ou será que a ONU também está procurando provar o que não existe?!

    1. Luciano Fernandes

      Bruno

      Antes de acreditar que a área de analisar dados não seja minha, gostaria que soubesse que sou fiz escola técnica de edificações, e sou engenheiro civil. Fiz vários cursos de recuperação ambiental na faculdade até sair e realizar o curso de análise de sistemas. Desnecessário dizer que números não é o meu ponto fraco.

      Na disciplina de estatística aprende-se que com estatísticas aleatórias tomada de dois apanhados diferentes, consegue provar qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo

      Passo todo o meu tempo analisando dados. Verificando coerências, e identificando inconsistências.

      Paralelo a isso fiz curso de Crítica e estilo em filmes, além de curso técnico de documentários.

      O filme possui PARTE dos dados deste relatório, mas foram pegos aleatoriamente. Além de jogar dados como verdade arbitrariamente, sem citar a fonte.

      A partir de qualquer documentário, é natural que o autor tome o lado de qualquer pessoa. Porém, é considerável que procure pelo o outro lado da moeda. O que no filme também não foi mostrado.

      A partir disso, o autor do filme tira uma conclusão que nem de longe está perto do relatório da ONU. Pois não fala em nenhuma parte dele de que adquirir uma alimentação vegana é melhor para a natureza.

      Em um outro relatório, da mesma ONU, há também a denuncia do desmatamento no Mato Grosso do Sul para plantações de cana de açúcar e soja. Soja esta que é uma fonte quase que exclusiva de proteína dos Vegans. Este dado foi esquecido por ele absurdamente.

      Não estou levando em consideração, portanto, o fato de que o diretor somente procurou realizar pesquisas nos EUA, e não no resto do mundo. Que possui práticas de pecuária muito mais predatória que as que ele mesmo mostrou.

      Porém, em qualquer curso de exatas no mundo inteiro ensina na disciplina de estatística examinar itens importantes como espaço amostral, metodologia, curva ideal, ponto fora da curva e outros conceitos.

      Porém este tipo de analise foi desconsiderada por ele.

      Reconheço o esforço do diretor, porém o caminho traçado por ele para chegar a uma conclusão completamente fora daquilo que o cartaz do filme prega, nem o que ele começou no inicio do filme.

      E na análise de qualquer dado, onde quer que seja. Da ONU ou do clube da esquina, há de verificar a metodologia, a formulas utilizadas, e que tipo de objetivo era o do relatório.

      O que o diretor fez foi com base em um relatório , utilizar os dados neles de maneira aleatório comparando com algo inexistente.

      Abs

  4. rodrigo

    Achei o filme ótimo. Concordo que existem algumas informações que fiquei desconfiado. Tenho muitas precauções quanto ao fato de satinizar greenpeace e etc. De modo algum essa galera deve ser o foco das críticas e isso faz com que o autor do filme se torne antipático.
    Ponderado isso, acho uma idéia excelente coverter biomassa vegetal diretamente para o ser humano e não passar previamente por outro organismo. Isso eu comprei do filme e fiquei feliz de ter assistido. Acho que comemos muita carne mesmo e temos que refletir como essa comida é feita e etc….
    Certamente me instruiu e me empolgou em comer mais verduras. Acho que voce pegou pesado demais com os caras.
    Um outro ponto que é importante refletir é sobre o crescimento do cérebro. Evolutivamente falando foi quando começamos a comer mais carne, quando desenvolvemos instrumentos, que aquele macaquinho antigo cresceu o cérebro de forma fulminante. Isso é outro problema do filme. Acho que a abolição total da carne deveria ser melhor abordada e sim, mais uma vez concordo contigo, o final é panfletário pacas. Tem muito de uma linguagem gringa (tipo propaganda do Itaú, Jack Johnson…) isso tem me icomodado profundamente.

    1. Luciano Fernandes

      Olá Rodrigo

      Obrigado pela sua mensagem. Toda a crítica que leu (e espero que tenha lido antes de fazer o comentário) foi ponderando de pontos que fazem parte da realização de um documentário. Em nenhum momento há qualquer referência contra ou a favor de uso de bio-massa. E sim contestando a maneira abordada totalmente errônea de fatos científicos, como falado no texto. O próprio diretor compara dados distintos, coletados de maneira aleatória e chega a conclusões pueris.

      Abraços

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