Crítica do filme “Agora”

Acompanhando filmes outdoor ao longo de quase 10 anos, sempre me perguntei como seria a produção brasileira de alguém que tenha conhecimentos de edição e roteiro cinematográficos. Neste período pude observar os mais variados estilos e, invariavelmente, constatar a forte influência que a linguagem publicitária tem em quem planeja produzir algo de qualidade. Com o tempo, muita produções acabaram ficando quase que repetições delas mesmas, dando a impressão forte de que era sempre o mesmo filme (mas com roupagem nova).

As histórias seguiam o mesmo padrão e modelo. Houve, claro, tentativas de sair deste paradigma, mas esbarrava sempre no esforço de artificializar os elementos contidos no filme. Passou-se até mesmo forçar pessoas em documentários de escalada a interpretar, ou mesmo vender histórias falsas. O público evidentemente respondeu silenciosamente, não se interessando por qualquer coisa pasteurizada e vendida em uma embalagem bonita.

Neste tempo também confundiu-se muito que a qualidade de um filme está diretamente ligada ao equipamento utilizado. A partir daí apareceram os mesmos erros de sempre, mas agora em Full HD e 4K, o que evidenciava mais a deficiência. O estilo de fazer filmes outdoor sofria muito da filosofia de copiar algo, ou alguém, que tinha ganhado atenção do público. A partir daí esqueceu-se conceitos básicos que fazem uma produção se destacar dentre as demais: roteiro, edição, metáfora visual, composição fotográfica, etc.

O filme “Agora”, produzido por Otávio Lima e Mickael Couturier, é talvez uma amostra de que há qualidade e vontade de elaborar um produto que seja diferente das que foram produzidas até então. Com pouco mais de 10 minutos de duração e poucos diálogos, a produção é uma verdadeira poesia em forma de imagens. Mesmo tendo uma duração curta, “Agora” também serve de inspiração a quem deseja produzir algum filme sobre escalada que não siga parâmetros publicitários.

Mas qual o segredo da produção? As respostas são muitas, mas fosse preciso somente optar por uma, seria a edição primorosa em detalhes da escalada que torna “Agora” muito mais uma poesia em forma e imagens. Não há ali interesse em vender algo, ou alguém, promover heroísmo ou artificializar ídolos. Há ali um ser humano e detalhes que marcam sua obsessão em torno de uma cadena de uma via de escalada.

Chegando próxima à perfeição, “Agora” ainda carece de alguns detalhes que engrandeceriam ainda mais a experiência para o espectador. Talvez o ponto fraco da produção seja o de ser tão curta, se esquivando com isso de aprofundar mais ainda nos sentimentos e sensações do protagonista. Esta pequena mácula em nada afeta a qualidade do filme como um todo.

Na edição, detalhes como a estrada, as agarras, o sentimento de recuperação e outros momentos vividos pelo protagonista são contados com rimas visuais e foco em detalhes. Não há em nenhum momento interpretação de ninguém, dramatização exagerada de situações, nem exaltação de força ou coragem. Nem mesmo a graduação da via é informada, pois pouco importa. Pois o que os produtores procuraram transmitir (ou pelo menos foi o que percebi) é que qualquer escalada é impactada pelo que eu, você, e qualquer outra pessoa, chama de “vida”. E este pequeno detalhe nos impacta profundamente, até mesmo nas nossas paixões.

“Agora” mostra que todos os escaladores são movidos por paixão, não somente pelo esporte, mas por algo que não pode ser traduzido somente por palavras ou clichês. Podemos trocar de namorada, de cidade, de casa, até mesmo de família, mas nunca abdicamos de nossas paixões, onde quer que estejamos. Passando exatamente esta ideia, sem nenhum diálogo nem legenda, que a produção se destaca entre as demais e é reconhecida pela qualidade.

O que mais cristaliza a intenção dos produtores em criar um produto diferenciado, é a criação no espectador da sensação de que não irá esquecer do que viu tão cedo. Ao contrário de obras vazias, cujo objetivo é somente o grito da plateia, a qual esquece detalhes do filme assim que sai do cinema, “Agora” é um convite a pensar e a refletir. Para aplausos vazios e dramatizações ridículas em produções outdoor, existe a internet com canais de youtube com pessoas tomando banho em banheiras de nutella. Para refletir, contemplar e aprender que somente uma paisagem bonita não significa boa fotografia de um filme, temos o cinema (com todos as suas técnicas e conceitos). E isso “Agora” sabe explorar bem.

Nota Revista Blog de Escalada:

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