Crítica do filme “Age of Ondra”

Um dos artistas mais famosos e talentosos do mundo é, sem sombra de dúvida, Bob Dylan. O norte-americano com voz anasalada, tinha como ponto forte suas letras. Pela qualidade de suas letras foi ganhador de um prêmio Nobel de literatura em 2017. Mas durante os anos 1960, quando decidiu abandonar os instrumentos acústicos e gravar com instrumentos elétricos, sofreu uma enxurrada de críticas. Grande parte dos que se sentiram “ofendidos” pela escolha de Dylan, alegava que ele tinha “traído o movimento”.

Provavelmente a mesma onda de protestos de pessoas com horizonte pequeno, deve ocorrer quando assistir ao filme “Age of Ondra”. As pessoas que demonstraram esta “revolta” com Dylan, valorizavam um estilo, mas não necessariamente suas letras (que era na verdade o seu forte).

A produção da Sender Films, que tem direção Josh Lowel (o mesmo das produções “Dosage”, que criaram toda uma idolatria de Chris Sharma), é uma espécie de evolução do gênero rock-porn. O gênero, que até hoje é copiado à exaustão (com uma rápida busca na internet, é possível ver que até hoje pessoas fazem vídeos que ainda se inspiram no gênero popular de filmes de escalada dos anos 1990), é cada vez menos adotado por quem quer fazer algo relevante pelo gênero. Para isso muitos diretores, além de Lowel, procuraram focar as lentes nas pessoas e não somente nos feitos esportivos. Este pequeno detalhe é que faz a diferença entre “Age of Ondra” e as outras produções para os vídeos dos “testosterona boys”.

Apostar mais na inteligência do público, do que focar em quem pensa com os músculos, é a nova tendência e que mostra a caminhada dos filmes outdoor rumo à maturidade do gênero. Os filmes outdoor, não somente de escalada, vêm demonstrando isso a cada ano e, como não poderia ser diferente, a Sender Films tem demonstrado isso em grande parte de suas produções. Afinal, para quem gosta de algo superficial e, na maioria das vezes, descartável, já existe canais de youtube e estas produções não tem sentido mostrar em telas de cinema.

“Age of Ondra” é uma espécie de biografia do escalador tcheco Adam Ondra, atualmente considerado o melhor escalador da atualidade e, talvez, um dos maiores da história do esporte. A produção traz imagens de sua infância, como foram seus treinamentos e declarações de outros escaladores literalmente coroando Ondra como um verdadeiro mito. No meio deste reconhecimento, o filme também mostra de onde o escalador tcheco tira sua inspiração e como se motiva cada vez mais para atingir um nível de excelência que parece não ter fim.

Ondra, assim como Bob Dylan quando optou por instrumentos eletrônicos, também optou por um estilo de escalada que muitos “puristas” o criticarão: escalar um 9a+ francês (12a brasileiro) em flash. Isso significa dizer que Adam Ondra irá a vários lugares do mundo, os quais possuem das vias mais difíceis do planeta (lembrando que 9a+ francês (12a brasileiro) não é qualquer um que escala, mesmo com várias tentativas) e encadenar somente com dicas e imagens que as pessoas lhe fornecem.

A partir disso, Ondra faz um estudo da coreografia necessária em uma espécie de mentalização e simulação. Após esta coreografia estar internalizada, Ondra faz a sua tentativa. Além disso, o escalador tcheco é mostrado como um perfeccionista. A todo momento quer não somente escalar mais forte, mas também escalar melhor. Fator este que o faz melhor que muitos “testosterona boys”, que credenciam a escalada esportiva somente à força (esquecendo que a técnica também é importante), torcerem o nariz com as declarações de Ondra durante o filme.

Para isso, o escalador tcheco não buscou aulas de Yoga ou Pilates, como muitos faziam nos anos 1990, mas de Ballet clássico. Sim, você leu certo, o filme “Age of Ondra” documenta o protagonista indo ao centro de Ballet da República Tcheca, fazer estudos de movimentos e otimização.

A partir desta busca incessante da escalada com movimentos otimizados, “Age of Ondra” começa a seguir o escalador em todos os locais de escalada mais famosos do mundo, em busca da cadena em flash de um 9a+ francês (até então nunca realizada). Se o protagonista consegue, ou não, o expectador tem de assistir quase que até o último minuto da produção. Produção esta que consegue ser uma espécie de evolução do batido “Rock porn”, para algo um pouco mais elaborado e que, diretamente ou indiretamente, traz o público a uma reflexão sobre o esporte e até mesmo as crenças que temos em práticas que melhorem a performance.

Da mesma maneira que a analogia sobre Bob Dylan ter sido criticado por puristas na década de 1960, o mesmo provavelmente pode acontecer com “Age of Ondra”. Quem se apega a conceitos puristas, acreditando que existe um “movimento” a se respeitar, provavelmente irá espumar no canto da boca de raiva pelo que Adam Ondra faz para escalar vias de 9a+ francês em flash. Resta a estes então, que façam o mesmo que Ondra faz, mas encadenando à vista e provar o seu ponto de vista superando-o. Mas pelo que o escalador tcheco vem realizando, melhor começar a treinar forte.

Nota Revista Blog de Escalada:

“Age of Ondra” foi gentilmente cedido por Freeman Outdoors

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