Conheça os obstáculos que fazem os equipamentos outdoor serem tão caros no Brasil

Trabalhei por quase três anos por uma empresa italiana no Brasil envolvida na importação e distribuição de vários produtos italianos, incluindo artigos esportivos Made in Italy.

O expertise italiano na produção de equipamento técnico para montanhismo é muito conhecido no mundo pela sua alta qualidade nos materiais usados. Acompanhei vários processos de importação da Itália para o Brasil, muitos desses eram de produtos fabricados por La Sportiva.

Como é de conhecimento geral, a La Sportiva fabrica calçados técnicos para esporte de montanha e escalada. As sapatilhas, e todas as botas, são fabricadas na Itália, ao invés a maioria dos tênis são produzidos na China (segundo indicação direta da empresa italiana).

Primeiro obstáculo

O que eu aprendi, em três anos trabalhando no setor de análise de importação, foi que todos os produtos importados no Brasil – qualquer tipo de produto – estão sujeitos a pagamento de impostos na base do próprio enquadramento NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) que só existe nos países que pertencem ao Mercosul.

Portanto cada vez que tentar importar um produto fabricado fora do Mercosul tem que fazer uma pesquisa detalhada – geralmente contratando e pagando um despachante antes do processo de importação começar – para encontrar o código NCM.

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Foto: Marcelo Ximenez

O despachante também auxilia a encontrar onde colocar o seu produto, lembrando que um erro na classificação pode prejudicar a sua importação de duas formas:

  • Você não consegue importar o produto
  • Também deve pagar uma multa por ter cometido um erro

A maioria dos brasileiros já sabem que o próprio país protege o mercado interno. Talvez não saibam de que forma o governo esteja privilegiando a produção local de produtos esportivos.

Em um país que está se desenvolvendo – ao menos é o que o Brasil quer transmitir ao resto do mundo – proteger o mercado interno sem melhorar a qualidade dos produtos, e sem saber como desfrutar a oportunidade de que os outros países poderiam oferecer (materiais e técnicas de trabalho), não é proteger, mas sim fechar e escravizar a população.

Fechar as fronteiras e colocar obstáculos ao mercado internacional só tende a aumentar o mercado ilegal (ou seja, o contrabando) e deixar mais dinheiro sair do do país. Um público que quer comprar um produto que o Brasil não importa, ou que fica muito caro no próprio país, de um jeito ou outro o interessado conseguirá comprar.

Segundo obstáculo

Pode não ter muito sentido, mas com essa motivação (evitar a compra ilegal) acredito que o governo brasileiro, através da Receita Federal, introduziu uma etapa a mais no processo de importação, dificultando mais ainda o processo.

Para poder importar qualquer tipo de calcados da La Sportiva, após o enquadramento NCM e o pagamento da fatura ao fornecedor (detalhe: o pagamento sempre é antecipado), antes do pagamento dos impostos (que são calculados também na base no frete, não no preço do produto), a empresa importadora deve obter a Licença de Importação.

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Foto: Christopher Thomond | http://www.theguardian.com/

Esta Licença de Importação consiste em milhares de informações sobre cada produto, que pode demorar muito tempo e ser muito dispendiosa, pois depende das informações solicitadas. Neste caso a Receita Federal não solicita tudo de uma vez, indeferindo assim a Licença de Importação. (Detalhe a empresa paga por cada vez que for indeferida).

As informações solicitadas pela Receita Federal dependem da pessoa que analisa a Licença de Importação, dependendo sempre da conclusão que cada fiscal. Sem Licença de Importação não haverá nenhum desembarque de produtos.

Terceiro obstáculo

Após ter enfrentado os primeiros dois obstáculos (classificação NCM e LI ) a empresa já teria gasto uma quantia de dinheiro à parte do próprio do pagamento da fatura (que não possui incluso as taxas ou despesas) e ainda não foram pagos os impostos!

Somente quando já possui seu código NCM poderá ser feito um levantamento dos custos referentes aos impostos de importação.

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Foto: http://www.guiamedianeira.com.br/

Um produto, qualquer seja, para entrar no mercado brasileiro deve pagar os seguintes impostos:

  • II – Imposto de Importação
  • IPI – Imposto Produto Industrializados
  • PIS – Programa de Integração Social
  • COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
  • ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

OBS.: o valor do ICMS depende do Estado onde houvera a liberação da carga. Nesse momento no Estado de São Paulo a alíquota consta com o 18%

O valor dos impostos depende do enquadramento NCM e também do valor do frete internacional. Além disso, alguns produtos (no caso especifico da La Sportiva trata-se de tênis de corrida de montanha e de aproximação) são também dependentes do pagamento de uma taxa adicional se foram produzidos no Oriente Médio (ação antidumping no valor de US$ 13,00 para cada par de tênis).

A dificuldade de importar produtos no Brasil

Você achava que era fácil importar para o Brasil?

Vamos fazer um exemplo para entender o por que um produto importado é tão caro quando chega no marcado brasileiro. O cálculo está excluindo o lucro do lojista.

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Foto: http://www.seanews.com.tr/

Exemplo: Queremos comprar um par de sapatilhas de escalada La Sportiva.

1) Escolher o modelo e o tamanho.

Vamos supor que o modelo escolhido seja um sapatilha fictícia modelo X de custo de € 100 direto da fábrica (preço exportação) e esteja disponível para a venda

2) Fechar o câmbio e pagar a fábrica (pagamento antecipado)

3) Classificar o produto na NCM

4) Impostos na base do enquadramento NCM

  • II 35%
  • IPI 0%
  • PIS 2,10%
  • COFINS 10,65%
  • ICMS 18% (Base de calculo: valor do produto + frete. Cálculo sequencial)

5) Obter a Licença de importação

Este custo é fixo, mas depende do município mas se for indeferida o custo sobe. Esta licença demora de 7 a X dias úteis, sempre dependendo do funcionário que analisa.

A variável X pode demorar meses (sim no plural).

6) Armazenagem da carga no porto

Enquanto a a mercadoria aguarda a LI ser deferida é necessário o pagamento de um aluguel do contêiner no porto. (a La Sportiva libera a mercadoria dentro de um prazo, depois fica com a transportadora aguardando a LI deferir)

7) Frete internacional + armazenagem + seguro + taxa de frete + despesas aduaneiras + movimentação da carga na origem e destino

8) Despachante para liberação da carga

Este é um custo fixo que depende da empresa do despachante.

9) Transportadora

É necessário pagar a uma transportadora para entregar a carga desde a alfândega até o armazém da empresa.

Fazendo os cálculos

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Foto: http://www.movenotícias.com/

Portanto, se uma sapatilha de escalada hipoteticamente custa na Itália € 100,00, e pagarmos um total € 5,00 de frete e despesas de importação, a mesma sapatilha chega no Brasil que custa € 196,00.

Ficou impressionado? Pense que além deste valor ainda faltam os custos da empresa no Brasil (escritório, contador, banco, funcionários, etc).

Então, antes de ficar bravo com os preços das sapatilhas no Brasil, pense que há uma empresa trabalhando num setor horrível (o de importações de equipamentos outdoor), mas que tenta a sorte mesmo assim importando um produto exclusivo e manter um preço razoável, que pode aparecer caro, mas agora sabe que não é e também sabe o por que.

There are 5 comments

  1. Tacio Philip

    E não esqueça que o importador vai vender o produto para as lojas junto de uma “tabela de recomendação de valor de venda ao consumidor final”, normalmente com um acréscimo mínimo de 100%, com a ameaça de não vender para o lojista se ele vender mais barato. E começar com um valor de 100 Euros da aparência que o lucro do importador é pequeno, temos também que lembrar que ele está comprando com valor de atacado, não de varejo, do fabricante ;-) Os impostos e burocracias atrapalham muito mas os comerciantes também não colaboram já que sabem que, mesmo ofertando caro, sempre tem quem pague.

  2. Andre Lima

    Equipamentos técnicos são caros em qualquer parte do mundo, não só aqui.
    Fica a dica de fazer um artigo de como é difícil fabricar produtos no Brasil. Além de todos estes impostos, dificuldade de matéria prima, mão de obra qualificada, etc e tal, ao comparar vai descobrir que importar é muito mais fácil, tão mais que a maioria dos equipamentos vendidos no Brasil são importados.
    Já a vantagem de produzir no Brasil quando comparado a importar é que vai gerar emprego, colaborar com a economia local e economizar recursos ambientais.

  3. Fabiano Bovo

    Ciao Sara!

    Boa matéria explicativa, parabéns. Também trabalho com importação de produtos esportivos e sei exatamente como é complicado passar por todos esses entraves. Infelizmente nada disso ajuda o cidadão à ter produto de boa qualidade à preço condizente, uma vez que desenvolver e produzir algo aqui também é equivalentemente trabalhoso.

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