Confira o relato completo da conquista feminina da Esfinge – O maior big wall do Peru

Por Branca Franco

A Esfinge é o maior big wall do Peru, é uma parede de granito gigante localizada na Cordilheira Branca. Sua base está a 4.600 metros e seu cume a 5.325 metros de altura acima o nível do mar. Está localizada a duas horas de táxi da pequena Caraz, uma cidade muito simpática no norte do país.

Em 2014 tive a oportunidade de escalar a Esfinge ao lado de David Belmonte, um escalador espanhol bem forte e experiente. Fiquei feliz com a experiência, especialmente porque grande parte da escalada é em tradicional e navegar nessa parede pode muitas vezes pode ser uma aventura não muito bem sucedida. Várias pessoas já se perderam aí.

Foto: Branca Franco

Em 2016 fui convidada por um grupo de amigas equatorianas para fazer uma expedição à Esfinge, dessa vez em cordada feminina, “plan chicas”. Tentamos chegar ao cume em Agosto de 2016, mas infelizmente não conseguimos. Foi uma das experiências que mais me ensinou tanto na escalada como no âmbito pessoal. Foi lindo poder carregar o peso dos nossos equipamentos e das nossas decisões também.

Acontece que eu queria muito chegar ao cume dessa montanha com alguma outra mulher. Era importante para mim tentar escalar a Esfinge com alguma amiga. Não porque eu não goste de escalar com homens, mas porque quando você está com outra mulher, todas as decisões são bem compartilhadas. Geralmente nas escaladas que eu fiz com homens eles sempre acabavam decidindo as coisas, carregando mais peso, levando a ponta da corda… e isso era justamente o que eu não queria neste momento.

Enfim, numa apresentação no Rio de Janeiro do vídeo que gravamos com a equipe Chuquiragua (equipe equatoriana) conheci pessoalmente a Kika Bradford e ela disse que teria interesse em escalar a Esfinge também. Após várias mensagens e conversas partimos para Salinas para escalar juntas. Foi incrível como nos conectamos e decidimos que sim, íamos ao Peru juntas. Mas, algumas coisas aconteceram e infelizmente não pudemos escalar.

Foto: Branca Franco

Eu já estava quase desistindo do projeto quando apareceu a Carolina Ramírez, uma amiga colombiana que também, por coincidência, tinha o mesmo desejo. Conversamos um pouco a respeito e decidimos fazer uma via de quatro cordadas juntas e também uma montanha nevada para ver como iria fluir a parceria e o ritmo da escalada. Assim que em uma semana fizemos a normal de Antacocha e o nevado Huarapasca em cordada feminina. Foi bem gratificante ter a certeza em meu coração de que sim, estávamos “listas”!

Foto: Branca Franco

Antes de sair de Huaraz, cidade onde estávamos vivendo, estudamos o croqui da via muitas vezes, mas muitas vezes mesmo. Era muito importante ter tudo bem claro porque depois do platô das flores, nona cordada, a navegação fica bem mais difícil. São dezoito cordadas no total. Ou seja, as dez últimas são mais fáceis em termos de grau, mas bem mais difíceis para navegar uma vez que existem “runouts” de mais de 20 metros e as paradas/ estações não são fixas, você tem que construí-las. Na real é bem fácil se perder, você para e olha pro lado e são muitas opções de fissuras para escolher.

Após o estudo minucioso da linha, fizemos a separação dos equipamentos, levamos somente um rack e não dois, como pedia o guia. Decidimos ir mais leves, proteger com o que tínhamos mesmo e essa decisão foi super acertada, fica a dica para os que querem ir. Não é preciso dois racks, um é suficiente (cams do 4 a .3 mais microfriends e um jogo de nuts).

Fizemos a lista de comida, determinando o que íamos comer em cada dia, testamos se entrávamos as duas em um único saco de bivaque caso algo acontecesse, revisamos o kit de primeiros socorros, contactamos o táxi e pronto, estávamos mais que preparadas!

De Huaraz á Caraz

No dia 19/07/2017 saímos de Huaraz rumo a Caraz. Chegamos à Laguna Paron por volta das 16:00 e começamos a caminhada de aproximação. Chegamos na cova onde “bivaqueamos”, fizemos uma sopa e dormimos.

No dia seguinte porteamos água até a nossa”casita” e depois do almoço caminhamos até o ponto onde se chega no rapel. Trata-se de uma caminhada bem delicada em uma morena que pode ser muito perigosa caso você não esteja atento. Começamos a marcar com totens todo o caminho do rapel até a cova, caso a gente tivesse que repelar e caminhar no escuro.

Fizemos nosso jantar, nos hidratamos mais ainda e fomos dormir porque acordaríamos às 4 da manhã para o ataque ao cume.

Ataque ao cume

No dia 21/07/2017 acordamos, preparamos o café, colocamos nosso equipamento pessoal e começamos a caminhada até a base da via.

Às 5:20 iniciamos nossa escalada, os dois primeiros largos fizemos no escuro, era importante ter luz para o rapel. A escalada é maravilhosa e boa para proteger até o platô que divide a metade da via.

Foto: Branca Franco

Foto: Branca Franco

Para mim as cordadas sete, oito e nove são as mais difíceis e foi justo onde gastamos mais tempo. No total foram seis horas até a famosa “repisa de las flores”. Daí em diante sabíamos que a atenção na navegação teria que ser redobrada.

Faltavam dez cordadas, mas como já havíamos estudado o croqui várias e várias vezes tanto em Huaraz quanto na base da Esfinge, não tivemos dificuldades em encontrar o caminho.

Não nos perdemos nenhuma vez e isso foi fundamental para chegarmos ao cume com luz.

Foram 13 horas de escalada com direito a muito frio e a altitude que marcava sua presença. Às 18:10 eu e Carol estávamos no cume! Foi um dos momentos mais lindos da minha vida como escaladora!

Depois dessa escalada confio ainda mais em mim mesma, em minha capacidade técnica, física e psicológica.

Espero que essa experiência motive outras escaladoras a sair por aí em busca dos seus sonhos. Agora eu quero mais e mais montanhas, amigas escaladoras e a benção da natureza para continuar conquistando meus objetivos. Gratidão a todos que nos apoiaram e que continuam nos apoiando.

Para o alto e avante, sempre!

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