Crítica do filme “Break On Through”

Uma realidade dentro dos filmes sobre escalada, sobretudo os produzidos pela Sender Films, é a de sempre repetir os mesmos temas, com os mesmos personagens. Ao longo do tempo este tipo de enfoque fez com que os filmes tornassem repetitivos. Nunca houve nenhuma produção que não procurasse fugir do padrão já estabelecido pela empresa em seus festivais, patrocinadas pela mesma marca. Uma outra característica dos filmes da produtora é o pouco enfoque dado às mulheres escaladoras.

Não que a Sender Films tivesse alguma atitude sexista, muito pelo contrário. A produtora reconhecidamente foi das primeiras a investir em personagens femininos, sobretudo que fizessem algo notável. A desproporcionalidade na representatividade feminina é mais consequência da atitude de sua principal patrocinadora, do que propriamente de histórias disponíveis. Como 2017 foi o ano das mulheres na escalada esportiva, com Margo Hayes, Anak Verhoeven, e Angela Eiter rompendo a barreira da escalada em 9a+ francês (12a brasileiro), seria até estupidez, de quem quer que seja, não realizar um filme sobre isso.

O filme “Break On Through”, produzido por Matty Hong, Peter Mortimer e Nick Rosen, é um pequeno retrato da escaladora Margo Reyes, para que o mundo conheça mais sobre a mulher que rompeu a barreira do 9a+ francês (12a brasileiro). A produtora americana, inegavelmente, também buscava uma contrapartida para a história da escalada de Chris Sharma na “Biographie” (que ele mesmo rebatizou para “Realization”) no início do século XX. O feito foi um marco na escalada mundial, impactando profundamente em como o esporte era visto nos EUA. Até mesmo produções periódicas de filme de escalada começaram a ser feitas para explorar o nicho.

O filme de Margo Hayes é exatamente isso: um documento histórico da escalada feminina. Atualmente a imagem da escaladora chorando de emoção é uma das mais marcantes do esporte no ano de 2017. Além disso, Hayes demonstrou que não foi “acidente”, conseguindo repetir a marca nove meses depois na França, repetindo a escalada de Chris Sharma. Entretanto, a inclusão da escalada de Heyes na “Biographie” pareceu mais falta de habilidade no roteiro e edição, do que propriamente uma emenda às pressas.

Procurando traçar um perfil mais intimista da escaladora, os diretores Matty Hong, Peter Mortimer e Nick Rosen, procuram estabelecer desde o primeiro minuto a empatia do espectador com a protagonista. A estratégia foi já explicar, desde o início, que o acontecimento não foi por acaso. Embora com evidentes lacunas sobre aspectos da vida de Hayes, o roteiro procura valorizar o treinamento e dedicação da atleta. Sem muitas firulas ou gritos guturais. Não há em nenhum momento do filme qualquer brecha que deixe a entender que a a cadena não foi por mérito da escaladora.

O ritmo mais lento no início, que colabora para a criação da empatia e identificação com a personagem, mais ao final é quebrado e a história torna-se uma correria. Há com isso, detalhes que deixam pontas soltas e várias perguntas sem serem respondidas como, por exemplo, onde de fato vive Margo Hayes, ou qual atividade exercia (além de escalar, claro) na França, enquanto vivia lá.

Assim, muitos detalhes que acrescentariam mais profundidade à história como saber quais são seus amigos de escalada na França, como foi a adaptação no país, além de outros aspectos que dariam continuidade à sua história pessoal contada desde o início do filme, foram esquecidos. Como a protagonista realizou duas cadenas de 9a+ francês (12 brasileiro), uma na Espanha e outra nos EUA, a decisão do diretor de realizar duas catarses para ambas as escaladas se mostrou equivocada. Como eram duas localidades diferentes, separadas por quase 9 meses de diferença, “Break On Through”, já ao seu final, torna-se uma colcha de retalhos e se assemelha muito mais a um vídeo de internet despretensioso, do que propriamente um filme para ser exibido no cinema.

A insistência nos mesmos erros recorrentes, como a tentativa forçada de colocar somente americanos, residentes nos EUA, como seus únicos companheiros de escalada é mais uma deselegante tentativa de introduzir patrocinados de uma marca. A falta de química entre os escaladores era visível e, ao que parece, imposta por uma marca para valorizar a publicidade indireta de artigos esportivos. Este tipo de prática sempre foi o padrão da Sender Films, mas com após tanto tempo de estrada esperava-se que houvesse mais criatividade a respeito disso.

Deixando de lado este aspecto, que já tornou-se o grande calcanhar de Aquiles da Sender Films, não há como não reconhecer que “Break On Through” é um bom filme de escalada e que, curiosamente, consegue falar de feminismo sem ser feminista. Não há nenhuma declaração panfletária, muito menos de agradar a patrulha feminista, tornando a história humana e simples. Nestes aspectos é que reside os pontos mais fortes do filme.

Sobretudo na primeira cadena de Margo Hayes na Espanha, é difícil não se emocionar nem ter os olhos marejados. Após tanta dedicação, mostrada com detalhes, o espectador se emociona. Talvez com “Break On Through” a Sender Films tenha realizado seu filme mais sensível, esquecendo um pouco de lado o foco no heroísmo. Conseguindo fazer todos que o assistissem, mesmo sabendo o final da história (afinal os principais meios de comunicação divulgaram à época) ter os olhos marejados pela explosão de sentimentos de Margo Hayes é inevitável.

Somados todos os elementos de “Break On Through” fica até relativamente fácil dizer que é, talvez, a produção mais sentimental e sensível da Sender Films. Fica a esperança que o filme seja uma guinada para uma linha mais sensível e menos de busca por escaladores macho-alfa, que domina maioria das produções da produtora.

Nota Revista Blog de Escalada:

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