As cordilheiras esquecidas dos Andes: Nevado de Palermo – Argentina

O Nevado de Palermo faz parte, junto com o Nevado de Cachi, de um maciço de aproximadamente 50 km de extensão, o Cordón Palermo-Cachi, e localiza-se a oeste da cidade de Salta, no norte da Argentina. Possui uma orientação norte-sul bem definida e, conforme menciona Christian Vitry em seu livro “El Nevado de Cachi”, “geologicamente forma parte da denominada Cordilheira Oriental, correspondendo ao extremo austral da extensa faixa andina que compreende a Cordilheira Oriental do Peru e as Cordilheiras Oriental e Central da Bolívia”.

Bem menos conhecido e visitado do que o Nevado de Cachi, o Nevado de Palermo possui quatro cumes acima de 6 mil metros: Ciénaga Grande (6.075 m), Guanacos (6.030 m), Morro del Quemado (6.015 m) e Palermo (6.150 m). O Nevado de Cachi também possui outros quatro cumes acima de 6 mil metros, Libertador (6.380 m), Hoygaard (6.185 m), San Miguel de Palermo (6.000 m) e La Hoyada ou Meléndez (6.020 m), totalizando em oito o número de cumes que superam essa altitude em todo o maciço.

Foto: Marcelo Delvaux

Até então, considerava-se como cumes principais o Palermo (6.150 m) e o Libertador (6.380 m), sendo os demais vistos como cumes secundarios. Como resultado da travessia que fizemos em abril desse ano, e conforme noticiado aqui na Revista Blog de Escalada, o Ciénaga Grande pode ser considerado uma montanha independente, já que entre seu cume e o cume principal do Nevado de Palermo existe um colo cuja altitude aproximada é de 5.660 m, obedecendo ao critério de proeminência de 300 m que define um cume independente.

Tal detalhe, provavelmente, passou despercebido até então pelo fato de que poucos montanhistas transitaram pela aresta do Nevado de Palermo, como veremos abaixo no histórico sobre a exploração da região.

Foto: Marcelo Delvaux

A exploração do Nevado de Palermo

Conforme relata Christian Vitry em seu livro, a conquista dos cumes do Nevado de Palermo só começou na década de 1970, tendo sido concluída em 1988, quando ele e Emilio Gonzalez Turu fizeram a primeira ascensão do Morro del Quemado. Nessa ocasião, estavam tentando realizar a primeira travessia completa dos quatro cumes do Nevado de Palermo.

Haviam partido da localidade de Palermo Oeste, alcançando a base da montanha após três dias de caminhada. Após subirem o Palermo e o Morro del Quemado, acamparam no colo que separa esse cume do cume seguinte, o Guanacos, mas tiveram que descer devido ao mal tempo. A ascensão integral dos quatro cumes do Nevado de Palermo só foi conseguida dez anos depois, quando Gustavo Lisi, Miguel Olivo e José Olivo concretizaram uma travessia circular partindo de La Poma e retornando a essa localidade.

O desafio maior ainda inédito, uma travessia ligando o Nevado de Cachi ao Nevado de Palermo, foi tentado pela primeira vez em 2005 por Christian Vitry e Darío Bracali. Começaram o percurso por Las Pailas e, após subirem o Cerro Pellicelli (5.840 m) para aclimatarem-se, alcançaram no quarto dia os cumes La Hoyada, Hoygaard e Libertador. Gastaram mais dois dias para atravessar a longa aresta que separa o Nevado de Cachi do Nevado de Palermo, subindo o cume principal desse último e acampando no colo que o separa do Morro del Quemado.

Como Darío não se sentia bem, resolveram não continuar a travessia pela aresta. Christian subiu os demais cumes do Nevado de Palermo, Morro del Quemado, Guanacos e Ciénaga Grande, no estilo “bate-volta”, desde o acampamento, e regressaram pela Quebrada do Rio Salado. Finalmente, em março de 2013 Gustavo Lisi e Miguel Olivo realizaram a primeira travessia integral dos Nevados de Palermo e Cachi. Partiram desde La Poma contando com apoio de mulas para chegar à base no Ciénaga Grande, concluindo em onze dias a ascensão dos oito cumes de 6 mil metros do Cordón Palermo-Cachi, além dos outros cinco cumes de 5 mil metros do Nevado de Cachi.

Foto: Marcelo Delvaux

Em março de 2015 fiz minha primeira incursão ao Nevado de Palermo. Munido de escassas informações e sem conseguir as cartas topográficas da região, parti para a localidade de La Poma para uma tentativa de concretizar a travessia de Palermo a Cachi sem o apoio de mulas. Havia estudado pelo Google Earth a topografia e as possibilidades de acesso ao Nevado de Cachi, escolhendo uma quebrada (vale montanhoso) que me levasse diretamente na direção oeste até aresta principal do nevado, de onde pretendia seguir rumo ao sul “encadenando” seus cumes.

Devido ao mal tempo decorrente dos efeitos do “El Niño”, que já se fazia sentir no norte da Argentina nesse período, com nevascas e muito vento, acabei abortando a tentativa, descendo pelo difícil cânion do Rio Salado e completando uma travessia circular regressando a La Poma.

Foto: Marcelo Delvaux

Já com mais conhecimentos da região e com um clima mais estável, regressei a La Poma em abril de 2016 para uma nova tentativa. Dessa vez, busquei um novo percurso para chegar com mais “facilidade” na parte alta do cânion do Rio Salado e, de lá, partir rumo à porção norte do Nevado de Palermo. A dificuldade agora era o clima seco e a falta de neve, que implicou em escassez de água acima dos 5.000 m. Além do vento, que soprou muito forte em 8 dos 11 dias de travessia.

Após 120 km de percurso e tendo “encadenado” os 6 cumes de 6 mil metros localizados entre o norte do Nevado de Palermo e o Anfieatro Kuhn, no Nevado de Cachi, Ciénaga Grande (6.075 m), Guanacos (6.030 m), Morro del Quemado (6.015 m), Palermo (6.150 m), Libertador (6.380 m) e Hoygaard (6.185 m), cheguei a Las Pailas concluindo a terceira travessia conhecida unindo os Nevados de Cachi e Palermo, a segunda a percorrer o trecho La Poma a Las Pailas.

Foto: Marcelo Delvaux

Acessos

A dificuldade de acesso é a melhor explicação para o pouco conhecimento do Nevado de Palermo e pelas poucas ascensões registradas. Confirmando-se nossa constatação de que o Ciénaga Grande é uma montanha independente, essa porção do Cordón Palermo-Cachi contará com dois cumes independentes acima de 6 mil metros, talvez despertando mais atenção entre os montanhistas.

A rota mais fácil para quem deseja subir o cume mais alto, o Palermo (6.150 m), parte da localidade de Palermo Oeste até a mina Tres Tetas (4.000 m) e daí até as nascentes do Rio de Las Conchas, na quebrada homônima, onde se estabelece um acampamento base. Até esse ponto são três dias de caminhada. A ascensão não apresenta dificuldades técnicas, porém, na ausência de neve, a saída do anfiteatro pode significar um grande esforço pela inclinação do terreno e instabilidade trazida pelas pedras soltas.

Chegando-se a aresta que separa o Nevado de Palermo do Nevado de Cachi, basta subir pela mesma até o cume, sendo que em alguns trechos de inclinação mais forte existe a possibilidade de existir gelo, sendo necessário o uso de crampons.

Foto: Marcelo Delvaux

Chegar até o Ciénaga Grande já é mais complicado. A principal quebrada que leva a essa montanha, e que seria o caminho mais direto, a Quebrada do Rio Salado, não é recomendada, pois forma um cânion bastante acidentado e a progressão é lenta e penosa. Não existem trilhas bem definidas e é necessário subir e descer infinitas vezes pelas pedras para desviar-se dos obstáculos. O melhor caminho é partindo da vila de La Poma e buscar uma quebrada que segue para o oeste, em direção ao Cordón Palermo-Cachi.

Existem várias possibilidades após o primeiro dia, permitindo alcançar uma aresta que se conecta à aresta principal do Nevado de Palermo ou atingir a parte superior do cânion do Rio Salado, onde já é mais fácil para se caminhar. Mas qualquer opção escolhida vai demandar, pelo menos, quatro dias de caminhada (e no mínimo dois ou três dias para o regresso).

Foto: Marcelo Delvaux

Todas essas alternativas partem do Valle Calchaquí, a leste. Também existe a possibilidade de se chegar aos cumes do Palermo e do Ciénaga Grande a partir da Puna, a oeste. Para o Palermo a opção é entrar pela Quebrada de Luracatao, saindo da localidade de mesmo nome e, em dois dias de caminhada, chegar ao Puesto Tolar, desde onde se pode alcançar um passo de montanha a 5.500 m, que da acesso à aresta Cachi-Palermo e, desde esse ponto, seguir até o cume do Palermo.

Porém, o ataque ao cume por essa rota será bastante longo e talvez seja necessário realizar um acampamento avançado nas proximidades do passo. Para o Ciénaga Grande, partir da Puna também não será uma tarefa fácil, já que essa região é menos habitada e mais inóspita que o Valle Calchaquí e será necessário alcançar uma zona bem mais ao norte do Puesto Tolar para, então, encontrar alguma rota (inédita) que leve ao cume desse “novo” 6 mil andino.

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