Ancoragens: O que todo escalador deveria saber e ninguém contou

Qualquer escalador outdoor eventualmente dependerá de uma ancoragem para suportar a sua queda e, portanto, a sua vida.

Em todo o mundo entidades vêm se organizando com o objetivo de garantir uma manutenção preventiva e evitar acidentes.

Todo equipamento possuí sua vida útil; mosquetões, cordas, cadeirinhas, fitas, costuras e principalmente as ancoragens, que sendo equipamentos de uso coletivo e fixos a rocha, são expostas a todo tipo de intempéries e de longe o elo mais frágil da corrente de segurança da escalada.

Antes de falar sobre esses equipamentos precisamos definir alguns parâmetros.

Ancoragens de escalada são projetadas para funcionar em uma carga de trabalho seguro 16 kN (aproximadamente 1.600 kg), que representa a força gerada em uma ancoragem por uma queda de fator 1 em um segurada por um grigri em uma corda de 11 mm certificada pela UIAA com um escalador de 100 kg.

Para isso elas são fabricadas para suportar um mínimo de 25 kn (aproximadamente 2.500 kg, que é a força gerada em um fator 2).

Para quem não sabe o que é fator de queda: clique aqui

Existem atualmente três grupos de ancoragens fixas :

  • As ancoragens por ação mecânica conhecidas como chapeletas,
  • As ancoragens de fixação química conhecidas como glue-in ou colados
  • Ancoragens fixadas por alavanca conhecidas como grampos.

Como fruto de uma geração pioneira que possuía um acesso extremamente limitado a equipamentos para a abertura de vias, inevitavelmente os escaladores brasileiros se acostumaram com uma gama imensa de improvisos que muitas vezes comprometem o desempenho desses equipamentos.

Para evitar a exposição desnecessária a esses equipamentos é preciso entender o funcionamento e as possíveis falhas de fabricação e instalação de cada modelo, informações essas que pretendo explorar nesse texto fomentando a análise crítica de cada leitor.

Chapeletas

chapeleta[1]

Chapeletas são ancoragens que dependem de basicamente três componentes.

Um parafuso que deve estar associado a um cone, uma camisa expansiva e uma plaqueta (ou chapeleta propriamente dita) que permite a fixação dos mosquetões na mesma.

Inicialmente foram usados os Spits, fixadores para aplicação industrial e doméstica.

Essas ancoragens oferecem riscos impares aos seus usuários, principalmente devido a baixa espessura do parafuso usado e pelo possível afrouxamento da ancoragem no furo, tendo ocorrido diversos acidentes tanto na escalada quanto na espeleologia.

Atualmente essa ancoragem é um equipamento alvo para manutenções em todos os EUA e Europa, sendo o grande vilão da American Safe Climbing Association (ASCA) em Yosemite, falhando geralmente com cargas inferiores aos 1.000 kg ou 10 kN.

Spit (ancoragem de auto perfuração)

Bolt Tipo Sipt

Bolt Tipo Sipt

Com o desenvolvimento de parafusos feitos com o objetivo de suportar quedas dinâmicas surgiram os parabolts, que possuem características imensamente melhores que os spits e permitem um suporte de cargas bem maior devido a sua espessura e qualidade do material utilizado.

Ainda sim existem perigos inerentes à mecânica e stress desses equipamentos, sendo o “apertar” da porca do parafuso o momento critico da instalação. Se aplicado um torque maior do que o recomendado o parafuso pode sofrer o fenômeno de cisalhamento e romper, ou pior, quase romper.

Quando isso ocorre o bolt fica em estado frágil esperando alguma força (que pode ser o peso do corpo ou queda) para romper, se tornando uma verdadeira armadilha vertical. Para evitar isso, sempre deve ser utilizado um torquímetro no momento de “apertar” a ancoragem com seu torque específico informado pelo fabricante.

Experimente apertar uma porca em um parafuso até aonde conseguir para entender sobre o que falei acima.

Outro erro comum é a instalação de chapeletas com seus componentes de aços diferentes, como por exemplo uma chapa de inox e o parabolt de aço carbono (platted steel).Essa mistura gera o fenômeno de corrosão eletroquímica, que irá favorecer a corrosão do material de maior potencial de oxidação. No exemplo acima seria o parabolt.

Por ser um equipamento que exige constante tensão no parafuso, este fica mais sujeito a corrosão sob tensão em ambiente salino (Maresia) do que outros equipamentos, principalmente quando feitos com o Inox AISI 304, lembrando que a tensão é aplicada no parabolt e não na plaqueta.

A maioria das Chapeletas feitas para escalada tem a sua carga entre 25 kN e 30 kN.

chapeleta-fixe-1

Conjunto de parabolt e chapeleta Triplex da FIXE, esta ancoragem pode ser substituída no mesmo furo e suporta 30kN

Glue-in

colada

via Falsos Herois ou fissura mística (para os íntimos)

São ancoragens que dependem de dois fatores principais para o seu funcionamento: uma boa cola e o perfil de ancoragem, ou seja, fatores no corpo da ancoragem que irão trabalhar para a aderência da cola.

Os principais erros são a instalação com colas de baixa qualidade e a falta de um perfil de ancoragem adequado, geralmente ocorrendo em ancoragens caseiras.

As ancoragens coladas feitas para escalada geralmente possuem cargas de ruptura acima de 30kn.

Ancoragens Glue-in também podem ser substituídas no mesmo furo.

Ancoragem colada da FIXE em aço inox AISI 304:

Glue-in-parabolt-1

Grampos

grampo-p-2

São tarugos de metal martelados na rocha com um olhal e possuem diversos pontos críticos.

Por não haver um procedimento padrão de instalação o tipo de rocha e a espessura da broca (lembrando que essa se desgasta ao longo do uso) acabam influenciando demasiadamente na qualidade da instalação.

Isso ocorre pois o grampo depende de uma precisão de décimos de milímetros para que fique “na pressão” .

Quando um furo fica largo é comum que façam uso de palhetas de alumínio ou zinco para preencher o espaço restante, essas palhetas atuam causando a corrosão eletroquímica, condenando o conjunto a longo prazo. Outro fator de risco nos grampos é a solda dos olhais que não possui nenhum tipo de controle de qualidade, muitas vezes apresentando falhas estruturais.

Se o furo ficar muito apertado o grampo não entra até o final deixando o olhal longe da rocha.

O olhal longe da rocha aumenta o momento fletor (alavanca) sobre o tarugo e diminui significativamente a sua resistência. Se houver dúvida em relação a qualidade de um grampo, faça um nó boca de lobo no tarugo na parte mais próxima da rocha.

Os testes realizados em grampos de aço carbono tiveram a carga de ruptura em torno de 12kn, mas existem relatos de ruptura com o peso do corpo. Outro perigo dos grampos são os grampos de Inox, que já tem um histórico de acidentes e falhas com o peso do corpo.

Devido a características da liga metálica e fragilidades criadas no momento da solda, a corrosão ataca fortemente no local da solda, lugar mais sujeito ao esforço gerado no uso da ancoragem.

Grampos de Aço Inox devem ser evitados SEMPRE e nunca deve ser montada uma parada neles.

Grampo de 3/8 sem solda no olhal e com palheta de zinco PERIGO!!!

Grampo de 3/8 sem solda no olhal e com palheta de zinco PERIGO!!!

Os grandes problemas das ancoragens atualmente são a fabricação caseira e a instalação sem critério por equipadores bem intencionados, mas desinformados, que terminam por comprometer ancoragens que deveriam funcionar de acordo com as normas internacionais do esporte, definidas pela União Internacional de Associações de Alpinismo, entidade da qual a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada é integrante, ou utilizam equipamentos de desempenho desconhecido e sem controle de qualidade como é o caso dos grampos.

Para maiores informações está disponível para consulta um estudo de caso sobre as fragilidades criadas por uma solda caseira.

Mesmo com a expansão da escalada como esporte e com um aumento progressivo do número de escaladores e equipadores de vias, ainda não existe um curso de instalação de ancoragens, tampouco um documento oficial das entidades organizadas do montanhismo local (pelo menos no Rio de Janeiro) recomendando ou informando sobre o funcionamento desses equipamentos que tanto usamos, dificultando o julgamento de risco dos escaladores iniciantes e deixando restritas essas informações a sites estrangeiros geralmente em inglês.

Aos que leem em inglês, recomendo fortemente a leitura dos sites informativos:

Aos que não leem, estarei resumindo as informações desses sites no Blog da Escalada.

Espero que o texto ajude a prevenir acidentes e aumente o interesse dos escaladores no funcionamento e discussões acerca das ancoragens ,tema que influencia a vida de todos nós.

Qualquer dúvida, sugestão ou maior interesse no assunto estarei disponível no e-mail: [email protected]

There are 10 comments

  1. Pedro Paulo

    Parece que a degradação do inox, pelo que ouvi dizer, é muito grande quando está exposto à maresia, como aqui no Rio. Além disso, parece que ele não tem uma degradação visível, antes de quebrar, o que pode ser muito traiçoeiro. Procede, Felipe?

    Outra coisa: a liga dos grampos (ou Ps), pelo que sei, costuma ser o duralumínio, que, por ter uma oxidação visível, dá um bom indicativo para o momento da substituição. Correto? Poderia comentar?

    Você indica algum fornecedor de grampos, em particular?

    Obrigado!

  2. inacio bianchi

    Vou deixar mais relatos aqui de mais um caso que contraria seu artigo tendencioso. Temos na Falésia Paraiso de Pindamonhanga – SP mais de 3000 Ps segurando as vacas em vias que vao do quarto ao nono grau, e nunca tivemos um problema, inclusive com grampos de INOX 304. Alias tivemos um problema em um P porque por descuido do seg, a fita enrrolou no olhal e o entortou, mas o mesmo ja foi substituido.
    Temos fa Falésia Cachoeira do Onça aproximadamente 300 Ps levando vacas direto sendo sua maioria INOX 304 e nunca tivemos problemas.
    Alias tenho recebido relatos de chapeletas dando problema por todos os cantos.

  3. Deyvisson Bastos S.

    Será que existe alguma informação sobre a durabilidade do grampo com palheta de aluminio ? Dependendo da situação acabo utilizando as palhetas para fixação do grampo, porém não sei o tempo estimado da vida desse conjunto na rocha…

  4. Átila Costa

    Todos grampos utilizados no arenito em Lages/SC são colados com epoxi, e com a redução do olhal entortaram menos. Temos grampos de inox, e aço 1020, com mais de 17 anos, com indício mínimo de oxidação, ainda utilizados em quedas.

    1. Felipe de Moraes Lucena

      Salve Átila, a grande questão quanto a utilização de ancoragens caseiras é o fato de serem caseiras…. e portanto não possuirem um controle de qualidade e performance, aqui em Petrópolis nós temos um historico de muitas quedas tambem e poucos acidentes graves, mas isso nao diminui a exposição de risco desnecessário que muitos escaladores vivenciam em prol de um sistema de segurança obsoleto. Basta uma ancoragem de uma parada siples para termos a fatalidade de dois ou mais escaladores… é uma questão muito séria.
      Sobre o fato de vocês terem eliminado parcialmente o problema da aderencia rocha-grampo com a cola, me fica a pergunta se essas andoragens possuem um perfil de ancoragem que permita a aderencia dessa cola, ou se esses grampos tem o tarugo liso? Isso vai influenciar na carga que essas ancoragens vão suportar axialmente.
      Obrigado por deixar a sua experiência! Só comunicando que podemos crescer como comunidade e como esporte!
      Abraço

  5. Átila Costa

    Ola Felipe. Que bom que esta questão vem sendo abordada, pois ainda existem questões em aberto, principalmente quando falamos de grampos (raramente utilizados fora do Brasil).
    Moro em Lages/SC onde escalamos principalmente em arenito (220km) do mar. E usamos grampos de inox e aço (solda com etileno) a mais de 15 anos, e como a maioria das vias (mais de 50) são esportivas, a quedas são rotina. Neste contexto nunca tivemos problemas, eu que tenho mais de 95kg já cai varias vezes aprox. 8mt com um fator 0.5 a 1. Algumas vezes o grampo de inox entortou e fiquei na solda sem problemas (após troca do grampo a solda estava intacta). Creio que o soldador faz diferença. Entendo que aqui a circunstância é diferente, e talvez não se aplique o NUNCA utilize grampo inox. Só repassando a nossa experiência (muuuuitas quedas). Valeu.

  6. José Jonas de Andrade

    Parabéns pelo artigo. De fato, ainda temos pouca literatura sobre segurança na escalada, em que pese alguns trabalhos de ótima qualidade presentes no mercado nacional. Porém artigos sobre esses tema precisam de mais divulgação, a fim de reduzir os riscos de quem já pratica o esporte, e atrair novos praticantes.

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