Para aqueles que não possuem conhecimento: há escalada tradicional na Chapada dos Veadeiros! E digo tradicional de QUALIDADE.
Há algum tempo que pretendo relatar a ascensão da Agulha do Cerrado, na Fazenda Veredas em Cavalcante – Goiás, Chapada dos Veadeiros. Trata-se de uma formação rochosa de um quartzito único, com muitas opções para proteção móvel, além de ótima aderência.
Como toda expedição bem organizada, o planejamento foi uma das etapas mais trabalhosas.
Sempre buscando o máximo de informações possível, para que pudesse otimizar os trabalhos de campo, pleiteávamos as seguintes respostas:
- Há escalada tradicional na Chapada dos Veadeiros?
- Onde se encontram?
- Quais as vias, sua graduação, exposição e materiais necessários?
- Qual o acesso e o pouso mais próximo?
O resultado desta pesquisa, que nos tomou algumas semanas para meses, foi a Fazenda Veredas, em Cavalcante, GO.
Nesta fazenda existem enormes afloramentos rochosos, despontando por cima de um grande monte. Cada afloramento recebeu um nome: Caçula, Gorileza, Gorila e Agulha. Apesar do enorme potencial, ainda não há vias em todos os afloramentos.
Optamos então, minha esposa Mariana Landis e eu, por escalar a Agulha, pela via:
Agulha do Cerrado: 5º VIsup – E2/3 D2 – 120 m
Conquista: Marco Caçador e Matheus Reis
Esta via é toda em móvel, com apenas 4 proteções fixas, e um “ P “ nas paradas.
Assim, tendo conhecimento da via que queríamos entrar, e mais ou menos do local de pouso/partida – Fazenda Veredas – partimos para a Chapada dos Veadeiros (após escalar em Unaí – MG, Pedra do Canto (sendo este um relato futuro a ser publicado aqui na Revista Blog de Escalada).
Apesar de muita pesquisa em cima dos betas da via Agulha do Cerrado, quando buscamos entrar em vias em locais afastados – regiões mais distantes e vias pouco frequentadas, etc – é necessário investir alguns dias para que possamos concretizar nossa ambição.
Então, primeiro fomos atrás da Fazenda Veredas!
Distante uns 60 quilômetros de Alto Paraíso, chega-se a Cavalcante – cidade que faz parte do Complexo Turístico da Chapada dos Veadeiros. Cidade muito bonita, com grande potencial turístico e povo receptivo! Àqueles que buscam um lazer mais família, Cavalcante é o ideal!!
Por se tratar de um hotel fazenda bem procurado por turistas, a orientação para chegar a Fazenda Veredas não é difícil. Chegando em Cavalcante, basta perguntar ao único posto de gasolina da cidade: onde fica a Fazenda Veredas? Eles indicarão uma estrada de terra com sinalização suficiente para chegar até o seu destino.
Logo que chegamos na Fazenda Veredas é possível ver todos os afloramentos rochosos, e a Agulha – bem pequena, mas com ajuda de binóculo foi possível ver o seu cume delgado e agudo.
Procuramos o proprietário, que de imediato nos auxiliou com muita informação e história sobre as escaladas/conquistas na região. Nos foi apresentado um camping (não estava dos melhores, mas vai bem), a sua pousada (que é sensacional) e a estrada que leva ao início da trilha.
Muito bem! Então já sabíamos exatamente onde ir e mais ou menos o local de início da trilha. Com isto, preparamos nossos equipamentos, alimentação e disposição! Logo na semana seguinte, de volta a Fazenda Veredas e já no acampamento.
O próximo passo foi descobrir a trilha e achar o pé da via.
Claro que não foi nada simples, pois são 2 km de pernada do acampamento até o início da trilha (que podem ser feitos de carro) e mais 2,5km de trilha até o pé da via. Por se tratar de um local pouco visitado / escalado, a trilha estava completamente fechada, e a nossa única orientação era a marcação de três talhos de facão, de tempos em tempos, nas árvores.
Saindo do acampamento, siga pela única estrada possível de se continuar. Após cruzar algumas porteiras, estacione o carro à direita num local óbvio, onde a continuação da estrada também se torna praticamente impossível. Logo à frente do estacionamento, haverá uma cerca, continue pela cerca até chegar numa árvore grande caída – parte desta estava sobre a cerca. Atravesse a cerca neste ponto e siga para dentro do mato. Preste atenção à marcação de três talhos nas árvores! A trilha inicia-se reto pendendo para a direita. Do estacionamento até o pé da Agulha possuem 2,5km de trilha. Do camping até o pé da Agulha, 4,5km. – CUIDADO COM COBRAS!
Como estava bem fechada, no primeiro dia limpamos a trilha até, aproximadamente, 2/3 de seu trajeto completo. Como estava anoitecendo, descemos a trilha com a certeza de que no próximo dia já seria possível escalar.
No acampamento, arrumamos as mochilas com todos os equipamentos necessários, água, comida, anorak, lanterna, kit de primeiros socorros, facão e coragem!
Para escalar a Agulha do Cerrado recomenda-se: 1 jogo de camalot, 1 jogo de nut, 2 cordas de 60m, fitas e costuras.
Acordamos às 5hrs da manha e logo às 6hrs estávamos caminhando pela estrada até o início da via. Percorremos todo o caminho, abrindo a trilha na porção restante, e logo às 8hrs encontramos a óbvia linha da via Agulha do Cerrado.
A linha da via é logo numa fenda a esquerda de um diedro cheio de mato. Fácil localização. Observando mais acima é possível ver a única chapa da primeira enfiada, após a fenda.
Breve descanso, lanche, água e, finalmente, após muito esforço, nos equipar para entrar na via!!
A linha como um todo é maravilhosa. O Quartzito aderente adorou o solado da sapata!!
Logo na primeira enfiada, talvez um Vsup, muitos móveis e uma única chapa mais próximo da base.
A segunda e terceira enfiada, um V grau mais constante, com trechos mais fáceis de IV e outros levemente negativos de um Vsup. Muito bom para móveis!! Buracos e fendas.
O visual é espetacular!! Com o Gorila logo a sua esquerda, observando facilmente a linha Meia Lua – que ficou para a próxima empreitada.
Entrando na P4, inicia-se a escalada do obelisco final: a ponta da agulha – e o crux da via.
Impossível descrever a beleza da enfiada, tanto cênica, como técnica!! À esquerda e à direita um abismo, que são as costas da parede onde se escala a linha. São três proteções fixas, podendo melhorar com móveis. No final, um único P próximo do cume.
Então, finalmente no cume da Agulha pela via Agulha do Cerrado.
O cume é extremamente estreito, não coube minha esposa e eu juntos. Tive de ir primeiro, retornar a penúltima proteção e dar segue para ela ir na sequência.
Após muitas fotos, em três rapéis já estávamos no chão. Mais algumas horinhas, no acampamento feliz da vida!
Foram 9 km de pernada, 120 metros de parede, cume e muita satisfação!!!
Quando concluímos uma empreitada/expedição após muito planejamento e, principalmente, dedicação e iniciativa, a satisfação é ainda maior.
A Fazenda Veredas é um local com potencial para se tornar um pico clássico de escalada, tanto tradicional como esportiva na Chapada dos Veadeiros; com muitas opções para conquista e estrutura (camping e pousada) próximo ao acesso.
Parabenizo o Marco Caçador e o Matheus Reis, pela conquista. E agradeço pela Associação de Escalada do Planalto Central (AEP) – que muito nos ajudou com betas, croquis e mapas.
Pratica montanhismo há quase 20 anos, tendo escalado em diversos Estados do Brasil e países da América do Sul. Já abriu diversas vias no Estado do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Investe em um estilo mais tradicional de montanhismo e escalada.
Atua com conservação da natureza por meio de pesquisa científica, gestão ambiental e desenvolvimento sustentável. Possui MBA em Gestão Ambiental e Sustentabilidade, e cursa Mestrado Profissional em Áreas Protegidas. Foi gestor do Parque Estadual Carlos Botelho, Estado de São Paulo. Atualmente trabalha como pesquisador do Instituto Manacá, tendo como foco o manejo de Unidades de Conservação e conservação da fauna.
Excelente relato. Bom nível de detalhes. O ponto de parar o carro também pode ser indicado por uma curva forte de 90º que a estrada faz para seguir margenado a cadeia. Continuando essa estrada tem cachoeiras maravilhosas e também novas vais abertas no canion.
No setor do Gorila há mais vias super interessantes. Chocolate (linda chaminé), Acumpultura pra Macaco, Meia Lua e outras. Quem quiser dicas ou parceiros entre em contato e está na época perfeita.
Boa Pietro!
Olá Matheus.
Grato pela seu comentário! Foi realizada a retificação no artigo, incluindo-o como conquistador também.
Abraços!
Legal o relato Pietro! O lugar é muito bonito mesmo e com potencial pra escalada tradicional!
Somente acrescentando uma informação: esta via foi conquistada por Marco Caçador e Matheus Reis. Faltou o nome de um conquistador.
Existe uma via à direita dela chamada Alegria do Cerrado (Johannes Bodens e Gabriel Starke), um 3º IVsup E2/E3 de 75m que chega na base do toten (agulha) também, possibilitando fazer o cume pelo final da Agulha do Cerrado. Esta via é toda em móvel com paradas duplas fixas. É possível rapelar do topo da Agulha por ela com só uma corda de 60m.
Uma narrativa muito rica, detalhada e extremamente didatica.
Tido muito bem feito e altamente profissional.
Parabéns! ???
Já existem três linhas no gorila
Uma delas já da cume
As outras duas a esquerda tem uma enfiada conquistada faltando mais uma enfiada para cume
Parabéns pelo excelente relato!!!
É um privilégio poder compartilhar desses momentos preciosos ao seu lado!!!
Te amo