Afinal por que sentimos medo? Uma abordagem neurocientífica descontraída

Foto: Rui Paulo

Certa vez, com meu filho, ao pé de alguma montanha, virei-me para ele e disse:

“Le, se prepara que você será o próximo a escalar”.

Ele resmungou alguma coisa de que não me lembro agora, mas culminou sua fala dizendo:

” Já to pronto pai. Tô com medo, não”.

De pronto eu lhe disse que se sentasse, pois quem não tem medo não deveria escalar. Como ele tinha pouco mais de nove anos na época, certamente não compreendeu a complexidade da minha fala e menos de dois minutos depois disparou:

“Tô pronto, pai, acho que já tô com medo.”

Que seria de nós se não fosse o medo que nos assola, mas que também nos prepara, nos previne e nos deixa em estado de alerta para as intempéries que virão?

Eu tive muito medo, filho, quando vi um ser manchado de sangue nas mãos de uma oriental de jaleco branco, que insistia em apontar para mim e dizer:

“Parabéns, papai!”

Eu tive medo quando soltei suas mãos e você deu seus primeiros três passos, dia 20 de novembro de 2002.
Eu tive medo quando o deixei na escola pela primeira vez. Ver você subir aquela rampa com cara de choro e de abandonado foi terrível, mas necessário.

Eu tive medo quando tirei as rodinhas da sua bicicleta, lá na praia e o empurrei. Minhas pernas queriam acompanhá-lo, mas meu coração falou que eu não podia, que eu não estaria sempre lá.

E quando o joguei para cima daquela onda gigante, o medo só cessou quando você gritou:

“Olha, pai, tô surfando!”

Lembra quando você queria aprender a andar de skate e eu lhe disse que teria de aprender sozinho, porque eu também não sabia? Eu também tive medo, mas esse medo deu lugar ao orgulho quando, mais tarde, você me ensinou a andar de skate.

Ver você escalando a 10, 20, 30 metros de altura sempre me da medo, mas também me da muito orgulho quando lhe pergunto se quer descer e você diz que não, que quer continuar até o fim.

Decifrando o medo

O medo ao contrário do que pensávamos não e´um sentimento, e, sim, predominantemente uma emoção, como a raiva, a paixão e o nojo por exemplo. É coordenado como todas as emoções por reações endócrinas, alheias à nossa vontade ou ao nosso controle. Pelo menos é assim que pensa boa parte da comunidade neurocientífica mundo afora ciceroneada pelo português Dr.Antonio Damásio, sumidade no assunto.

Há algum tempo, escalei Pobre César, a maior via esportiva da Gruta da Lapinha em MG, aliás, uma das vias de escalada mais bonitas do Brasil. Após ter ultrapassado a sua parte mais difícil e a menos de 5 metros do fim, quando a escalada já tinha se tornado relativamente fácil, eu caí, e caí muito. Antes de cair, percebi algo inusitado para mim: minhas pernas tremiam levemente, uma das características do medo. Mas eu não me sentia com medo.

Como isso era possível? Algum tempo depois obtive resposta na neurociência e vou compartilhá-la com vocês.

Mesmo que você nunca tenha escalado uma montanha, imagine-se na situação hipotética em que se dispõe a escalar uma montanha muito alta, de talvez 400, 600 ou 1.000 metros de altura. Em determinada hora, já por volta dos 500 ou 600 metros de escalada, você percebe que está a uns cinco metros da última proteção. Proteção é o último lugar em que um escalador passa a corda para que o ampare em caso de queda.

Então você caminha rocha acima mais uns 5 metros e ainda, sem enxergar a próxima proteção, prossegue um pouco mais e já são mais de 20 metros desprotegido. Como você está focado, continua sua escalada monte acima e, de repente, se encontra a nada mais nada menos que 50 metros da última proteção e ainda não enxergou a próxima. Contando com a elasticidade da corda, se você cair dali serão mais de 100 metros de queda, altura equivalente a um prédio de 35 andares.

A maior parte das pessoas nesse exato momento entra em estado de estresse absoluto. Mas, antes de continuarmos com sua odisseia, vale explicar o que realmente é o estresse. Yes, stress

Comentários do tipo “chega de estresse”, “no stress”, “livre-se do estresse”, são falas corriqueiras hoje em dia, porém pouco fundamentadas. Não fosse o estresse, a raça humana jamais teria sobrevivido às ameaças e intempéries às quais foi e vem sendo sujeita ao longo da história.

O estresse é a primeira resposta do cérebro para nosso corpo sempre que nos deparamos com uma situação inusitada ou em que ele julgue corrermos perigo. Precisamos agir velozmente, tomando uma decisão rápida, sem a necessidade de termos que pensar para isso. O instinto de combate ou fuga é a principal conduta sugerida por ele e desencadeia uma série de comportamentos que nos darão melhores condições para lidar com tal situação. Resumindo, o estresse nos obriga a tirar a bunda da cadeira. A não adoção de nenhum dos dois comportamentos, combater ou fugir, leva-nos a um processo chamado pela psicologia de resistência ao estresse.

Digamos, por exemplo, que você trabalhe em uma determinada empresa e, por “n” motivos, não está satisfeito com seu trabalho. Logo ocorrem situações estressantes avisando-o de que algo não vai bem e indicando que deve fugir, demitindo-se e procurando outra ocupação ou ainda lutar, conversando com seu chefe, por exemplo, sobre uma possível mudança de área ou tarefa que melhor o satisfaça. Porém, ao não assumir nenhuma dessas ações, seu corpo é submetido a sucessíveis períodos de estresse causados pelos mesmos motivos, a tal resistência ao estresse, altamente nociva.

A mesma situação costuma ocorrer num relacionamento indesejado que se arrasta por anos, numa faculdade mal escolhida ou quando decidimos escalar uma montanha para a qual nos falta ainda preparação física, técnica ou mesmo psicológica.

A anatomia do medo

Dito isso retomemos a situação delicada em que você se meteu. Você está a mais de 500 metros do chão com uma possibilidade real de queda de mais de 100 metros de altura, então seu corpo entra em estresse absoluto e logo é tomado pela reação emocional ’’medo’’ pois seu cérebro percebendo o inusitado enviara esses dados sensoriais para o tálamo, que encaminha essas informações para a amígdala Cerebelosa (considerada por muitos cientistas o centro do medo) que por sua vez informa ao hipotálamo que inicie a reação de luta ou fuga, então o hipotálamo ordena ao sistema nervoso simpático que envie impulsos para as glândulas supra-renais que são as responsáveis pela liberação imediata de grandes quantidades de adrenalina,noradrenalina, cortisol e outros hormônios em sua corrente sanguínea.

E a partir dessa orquestra neurológica fantástica acontece o seguinte: Seus intestinos interromperão com os movimentos peristálticos, que são os responsáveis por controlar quando vai ao banheiro, a fuga ou mesmo a luta sugeri leveza e leveza eliminação de carga inútil, daí surgiu a expressão cagar ou mixar nas calças, gases intestinais e ruídos sinistros podem surgir de sua barriga. Você ficara pálido, lábios esbranquiçados e terá um frio na barriga também, pois parte do sangue circulante nessas regiões se transferiu para grupos musculares mais necessários a ação como pernas e braços. Suas pupilas se dilatarão aumentando assim seu campo de visão, se houver algo próximo com algum potencial de ajuda-lo você o enxergará com bem mais nitidez, certa vez vi um amigo que escalava a mais de 800 metros de altura usar como proteção o caule frágil de uma bromélia, (rsrsrs). Sua audição ficara hipersensibilizada, o mínimo ruído ameaçador como o rancher de uma pedra que está usando para se manter equilibrado junto a rocha, será captado pelos seus tímpanos. Sua respiração se acelerara para captar mais oxigênio. Mãos e testa suarão frio a fim de refrigerarem seu corpo, e é por isso que existem pessoas que escalam montanhas sem cordas, mas provavelmente não há quem as escale sem pó de magnésio para secar a umidade das mãos. Sua pressão arterial e freqüência cardíaca se elevarão aumentando sua capacidade cardiorrespiratória, e inibindo fome, sede e o sono, em tempos de crise tudo que não precisara é perder tempo com detalhes. Seus pensamentos ficaram desordenados sugerindo que deve agir rápido e não ficar ali filosofando sobre a vida. Essas reações te tornarão hiper focado e super alerta, se houver uma saída desse lugar desesperador, creia, você a encontrara.

Tudo isso ocorrerá também de forma bem semelhante quando estiver prestes a abrir aquela prova para a qual julga não estar preparado o suficiente; quando seu chefe o chamar para uma conversa após o expediente; ou quando visitar pela primeira vez seu futuro sogro e ignorar sua política com relação ao sexo antes do casamento.
Essas são só parte das transformações que nos acometem nas tais circunstâncias de medo, e o mais incrível é que tudo isso ocorre em menos de meio segundo, portanto uma reação emocional, alheia à nossa vontade. Só a partir do momento em que nos damos conta racionalmente de que estamos com medo é que ele se torna um sentimento ou uma reação emocional e as regiões do cérebro responsáveis por notabilizarmos emoção e sentimento são distintas.

Partindo do princípio de que o medo enquanto emoção é uma reação autônoma, natural e que ocorre após nos depararmos com uma situação de estresse que por sua vez se deflagra quando nos sãos impostas situações inusitadas e aparentemente ameaçadoras, o melhor a fazer para encarar esse medo em nossa atividade de predileção, seja ela escalando uma montanha, no trabalho, ou no convívio sócio- afetivo com amigos e familiares, é calcularmos as prováveis situações passíveis de nos causar tal estresse. Tarefa dificílima é bem verdade, mas é isso que fazem escaladores que escalam com autoridade e pessoas que têm uma vida boa. Salientando que vida boa não é aquela isenta de intempéries, mas aquela em que usamos nossa inteligência emocional para evitarmos o estresse repetitivo e desnecessário e que, quando ele ocorre, sabemos se é melhor fugir ou se é necessário combater. Certo é nunca adotarmos a apatia e imobilidade como estratégia, pois nos causariam a indesejável e maléfica resistência ao estresse.

Conhecer as nuances do medo, identificá-lo e compreendê-lo nos torna pessoas mais confiantes e aptas a lidar com ele.

“O medo tem alguma utilidade, mas a covardia, não.”
Mahatma Gandhi

PS: E alias lá na Gruta da Lapinha, na via Pobre Cesar, o medo emocional, aquele ao qual não temos consciência me deliberou hormônios, dentre eles a adrenalina (eu adrenei sem saber, rsrsrs) que tencionaram meus músculos e como não transformei essa tensão em ação, minhas pernas tremeram, caso as tivesse movimentado provavelmente não teria caído da via.

Glossário

  • AdrenalinaHormônio cuja secreção é aumentada em situações de estresse, ansiedade, perigo ou outra qualquer que deixe o corpo em estado de alerta e preparado para agir.
  • AdrenarEntrar em estado de nervosismo decorrente do medo, particularmente durante a prática de algum esporte radical como escalada, skate ou pára-quedismo.
  • Amígdala Cerebelosa – Identifica o perigo e avisa ao corpo que é hora de ter medo, além de responsável por nossas respostas emocionais, sociais e memórias.
  • Cortisol –  Ajuda o organismo a controlar o estresse, reduzir inflamações, contribui para o funcionamento do sistema imune além da manutenção dos níveis de açúcar no sangue constantes assim como a pressão arterial.
  • Estresse – Conjunto de reações fisiológicas necessárias para a adaptação a situações inusitadas.
  • HormôniosSubstancias químicas produzidas por glândulas do sistema endócrino ou por neurônios especializados, lançadas na circulação e vão produzir efeitos específicos (indução ou inibição) em um órgão especifico do corpo.
  • Gases intestinaisSão gases ou flatos (flatulência) o ar que se acumula no aparelho digestivo.
  • Glândulas supra-renais Glândulas endócrinas que se localizam acima dos rins e fabricam hormônios essenciais para o funcionamento do corpo humano, como o cortisol, estrogênios e adrenalina.
  • Hipotálamo – Regula os estados de humor, sono, fome, sede, libido e a temperatura corporal. Ativa a reação de “luta ou fuga”.
  • Movimentos peristálticosMovimentos rítmicos involuntários da musculatura do tubo do aparelho digestivo impulsionando o alimento no interior do esôfago para o estomago e o bolo fecal no intestino para ser expelido.
  • Noradrenalina – Precede a adrenalina e tem efeitos menos potentes que ela, também influencia humor, ansiedade, sono e alimentação.
  • Sistema nervoso simpático Prepara o organismo para reagir a situações de medo, estresse e excitação, adequando o funcionamento de diversos sistemas internos para um elevado estado de prontidão.
  • Tálamo – Transmite sinais motores e sensitivos ao córtex, além de regular consciência, sono e estado de alerta.

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