A caminho da escalada – um relato de viagem na Gruta da Lapinha

Fotos: Avervo Pedro Widmar

Fotos: Avervo Pedro Widmar

O caminho para a Lapinha é extremamente fácil de encontrar.

Isso, claro, se não estiver chovendo com tudo as duas horas da manha num Ford Ka sem direção hidráulica.

Mas todas as aventuras nascem pela adversidade, e está não seria diferente.

Direções – Chegue em lagoa santa e logo mais verá placas que indicam o caminho para a Gruta da Lapinha. Moleza.

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Foto: Pedro Widmar

Saí de BH logo após o jantar para evitar de atrasar demais minha chegada. Amigos nossos que tinham dirigido do Rio encontrariam lá a noite. A chuva não parava, mas dentro de mim o espírito da aventura gritava para seguir em frente!

E foi assim que sobre protesto dos que professavam minha loucura embarquei na ultima aventura do ano – O calcário do Sítio do Rod.

Já estava há meses pesquisando a viagem. Encontrando minutos para delirar sobre as escaladas em calcário. Como uma criança aguardando a noite de natal estava eufórico!

Já no carro, os minutos se tornavam em horas. Uma escala proposta de uma hora virou três enquanto as ruas diminuíam e perdiam cada vez mais a qualidade de asfalto.

Como se passando por uma transformação gradual trocávamos a cidade pelo campo. Incapazes de nos nortear com eficácia não sei quem estava mais pronto para cair fora, o Ka ou eu. A chuva apertava.

Foto: Pedro Widmar

Foto: Pedro Widmar

As instruções a base de encontrar arvores, escolas, e quebra-molas se tornavam cada vez mais confusas.

Tínhamos dirigido uma eternidade de Lagoa Santa e nada de placa da tal Gruta.

Quantos quebra-molas já passamos? Quantas arvores? Escola do que? A folha das direções estava molhada e ler os hieróglifos de tinta corrida ficou impossível.

Decidi chutar. Se fosse para pegar a esquerda, então a próxima seria tão boa quanto qualquer outra. Na maior das boas intenções o Ka tentou seguir minha desviada dramática mas não rolou.

Dei um cavalo de pau ala Hollywood numa rua que se tornará um riacho enquanto as buzinas alheias drenavam a pouca paciência que me restava. Com a moral já esmaecendo e as altas horas da noite chegando deitei a cabeça no volante.

Fui derrotado. Ia esticar meus dois metros dentro desta caixa de sabonete e tentar amanhã. Quando levantei a cabeça pronto para encarar a derrota dei de cara com a placa – Gruta da Lapinha. Vitoria! Chegaria ao abrigo, três horas atrasado mas chegaria.

Com as direções tornadas em papier-maché foi por muita sorte que me dei de cara com o portão do abrigo.

Foto: Pedro Widmar

Foto: Pedro Widmar

Molhado, cansado, derrotado, apaguei em menos de dez minutos. Somente na manha seguinte saberia onde teria me enfiado.

Os protestos de um galo rabugento me despertaram as seis horas. Fiquei quieto alguns segundos suplicando com os deuses para que a chuva tivesse acabado. Sem chance.

O som já conhecido provava que continuava caindo ininterrupta. Mas o céu mostrava possibilidade de trégua.

Decidi achar meus amigos que não tinham chegado ao abrigo na noite anterior e continuar para o Sitio do Rod.

Como uma galinha apavorada corria pelo quintal do abrigo de um lado pro outro a procura de sinal de celular estável o suficiente para poder fazer uma ligação.

Nada.

Minha mulher e fiel companheira de aventuras sugeriu que saíssemos da vila a procura deles. Já longe do abrigo conseguimos sinal para ligar. Estavam num hotel.

Espantados pela chuva e incapazes de decifrar as direções tinham se rendido no meio da noite às camas de luxo.

Abastecemos de provisões e fomos diretamente para o sitio. Estava vazio mas a placa na frente informava que a escalada custava 5 reais portanto nos sentimos seguros de entrar sem invadir.

Foto: Pedro Widmar

Foto: Pedro Widmar

Quem nunca confrontou uma vaca na vida pode se espantar ao se deparar com 30 soltas.

E foi justamente assim que nosso dia de escalada começou.

Vacas são amigáveis? Atacam? Lógico que não. Nunca se ouve que fulano tal e tal foi violentamente atacado por uma vaca solta.

Mas será que somente eu não tinha ouvido falar nisso?

Passamos pelas vacas apreensivamente. No outro lado delas o caminho para a área de escalada se encontrava em lama pura.

Carioca que sou tinha vindo de Havaianas. Eventualmente abandonando elas pelo caminho chegamos ao mato.

No outro lado chegamos na vista mais linda que já vi desde me tornar escalador obcecado.

Estruturas de calcário pretas da chuva formavam um desenho mágico na nossa frente. Papagaios verdes grandes voavam dos buracos na pedra anunciando nossa chegada.

O esplendor do lugar é realmente especial. Mas meu foco era um só – pedra. E enquanto algumas vias estavam relativamente secas, a maioria não conseguiam tempo suficiente para secar entre as caídas de chuva. Teríamos pouco. Mas as vezes pouco é o suficiente.

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Foto: Pedro Widmar

Bolamos um sistema de nos pendurar para colocarmos as sapatilhas. Mesmo assim em 5 minutos estávamos lama pura.

Guiei a primeira via de quinto grau com aparente calma. Mas por dentro a emoção visceral me tomava.

Cada agarra virava um grito na minha própria cabeça.

Monos, bidedos, regletes, tudo isso no quinto grau. Nunca tinha experimentado um mono na pedra.

Calcário tem uma composição única. Macia, doce, mas inteiramente diferente do gnaisse que tenho no Rio de Janeiro. Gritei para baixo – Monos!

O sorriso na minha cara fez o grupo inteiro rir. Sabiam minha fissura por escaladas deste tipo.

Toquei nas correntes de primeira.

O resto subiu em seguida coroando a manha com uma vitória sobre o temporal da noite anterior.

Mas a chuva logo voltou e nossas opções de via diminuíram.

Ficamos entre uma via de nono grau que depois descobri se chamar Rod lá, ou uma de sexto grau diretamente na sua frente.

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Foto: Pedro Widmar

Comecei a via de sexto achando ela fácil para o suposto grau. Talvez a graduação é dada pela imensa colmeia de abelhas que fica em cima do quarto grampo invisível de baixo.

Logo coloquei minha mão em cima da próxima agarra fui abordado por mais de 30 abelhas furiosas. Desce! Desce! Desce! – Berrei pra baixo. As abelhas talvez sentindo minha aflição decidiram me deixar em paz.

De volta ao chão avisei os próximos que não seria uma boa ideia continuar na rota. Mas preferiram descobrir por si mesmos. E descobriram.

Por fim entramos na Rod lá. Não sei se fizemos ela como é projetada. Sendo uma meia lua dentro de uma coluna, a via, como a visualizamos, começa com uma boulder V4 incluindo movimentos grandes e dinâmicos levando a juntar as mão num reglete de onde se da uma esticada de perna brutal para escaladores sem flexibilidade e se continua por uma semi-chaminé.

Foto: Pedro Widmar

Foto: Pedro Widmar

Dei a primeira sequência até o terceiro grampo sem problemas. Mas sem força de perna sobrando não consegui me encaixar na parte superior da via.

Estranhamente locupleto decidi que já estava na hora de voltar para o abrigo.

Depois de um churrasco e muita cerveja novamente encontrei a cama.

Na próxima manha a chuva tinha parado. Os céus ao redor do abrigo são difíceis de interpretar.

Hora parecem calmos, hora chuvosos. A região conta com alterações repentinas. Decidimos dar um passeio pela região e ver o que mais encontraríamos.

O jardim do abrigo contava com muitas arvores frutíferas e decidimos catar mangas. Colhia algumas do chão, outras da arvore.

Sem intenções acabei numa disputa de território com um dos cães da propriedade. Enquanto colhia as mangas ele roubava elas. Aceitei a hierarquia aparente e paguei o pedagio.

Com nossas garrafas de agua cheias e prontos para conhecer os arredores partimos em direção a Gruta da Lapinha.

Sabíamos que não seria possível entrar pois ela está fechada às segundas-feiras, mas mesmo assim queríamos conhecer as vias da gruta e contamos com meu jeitinho carioca. Por sorte o cara que trabalha na porta do parque é escalador.

Foto: Pedro Widmar

Foto: Pedro Widmar

Simpatizando com nossa viagem frustrada decidiu nos dar uma visita guiada extra-oficial. Vias lindas, molhadas, mais lindas.

Começamos a nos dar conta que nossa viagem de escalada seria somente uma chance de conhecer os picos.

E conhecemos todos.

A Vila Maria contém aos seus arredores o Sitio do Rod, Lapa do Seu Antão, Lapinha, e alguns picos ainda não explorados. É o tipo de cidade onde o queijo é comprado da casa de um vizinho. Os biscoitos de outro. Sem comercio formal, é uma cidade bucólicas onde a vida passa lentamente.

Os vizinhos são todos amigáveis e dispostos a ajudar a qualquer hora. Onde um pedido de direções vira um passeio guiado.

Arthur Conan Doyle escreveu que “as pequenas coisas são infinitamente as mais importantes.” Sempre acreditei que são as pequenas coisas que fazem o viagem.

E Vila Maria é cheia de pequenas coisas.

Foto: Pedro Widmar

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